Mario F. P. PeresI;
Ana Claudia de Lima Quintana ArantesII;
Patrícia Silva LessaIII;
Cristofer André CaousIV
IProfessor
de Neurologia da Faculdade de Medicina do ABC e pesquisador pelo
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, Instituto
do Cérebro IIGeriatra
graduada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) e coordenadora do Grupo de Estudos da Dor e Cuidados
Paliativos do Hospital Israelita Albert Einstein IIIDoutora
em Tecnologias Energéticas Nucleares pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e pesquisadora pelo Instituto Israelita de Ensino e
Pesquisa Albert Einstein, Instituto do Cérebro IVDoutor
em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e
pesquisador pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert
Einstein, Instituto do Cérebro
RESUMO
CONTEXTO: Dor
é um dos sintomas físicos mais freqüentemente relatados por
pacientes, causando importante redução na qualidade de vida do
indivíduo. Pacientes com dor crônica são difíceis de tratar.
OBJETIVO:
Descrever
estratégias atuais de abordagem de pacientes com dores crônicas,
baseadas na literatura científica, enfatizando medidas relacionadas
à espiritualidade e à religiosidade. MÉTODO:
A presente
revisão utilizou-se das atuais estratégias de manejo para pacientes
com dor crônica combinadas a medidas medicamentosas e
não-medicamentosas, estas geralmente incorporando medidas voltadas
ao bem-estar físico, mental, social e espiritual com base em
publicações indexadas pelo Medline. RESULTADOS:
Muitos
estudos demonstram associação positiva entre espiritualidade e
religiosidade e melhora em variáveis e marcadores de doenças
crônicas. CONCLUSÃO:
Pelo fato
de a religiosidade e a espiritualidade serem marcadamente
relacionadas com a melhora clínica dos pacientes, é importante que
o reconhecimento desses aspectos e a integração no manejo dos
pacientes com dor crônica sejam conduzidos por profissionais da área
de saúde.
Palavras-chave:
Dor crônica, manejo, cefaléias, espiritualidade.
Introdução
Dor é um dos sintomas
físicos mais freqüentemente relatados por pacientes, causando
importante redução na qualidade de vida do indivíduo (Nickel e
Raspe, 2001; Phillips, 2003). A dor é uma experiência desagradável,
sensitiva e emocional, associada com lesão real ou potencial dos
tecidos, podendo ser aguda ou crônica. Dor crônica é definida como
toda aquela com duração superior a seis meses, persistente ou
intermitente (Breen, 2002). No Brasil, estima-se que cerca de 50
milhões de pessoas padeçam de algum tipo de dor (Silva et
al.,
2004). É o principal motivo de procura por assistência de saúde,
sendo considerada hoje um grave problema de saúde pública.
A atenção ao aspecto da
espiritualidade se torna cada vez mais necessária na prática de
assistência à saúde. Cada vez mais a ciência se curva diante da
grandeza e da importância da espiritualidade na dimensão do ser
humano. Ser humano é buscar significado em tudo que está em nós e
em nossa volta, pois somos seres inacabados por natureza e estamos
sempre em busca de nos completar. A transcendência de nossa
existência torna-se a essência de nossa vida à medida que esta se
aproxima do seu fim. Em cuidados paliativos, perguntamos ao paciente
o que ele considera importante realizar nesse momento de sua vida e
trabalhamos com o controle dos sintomas. Buscamos conferir ao
paciente todas as condições necessárias para as suas realizações
nesse momento singular. E a dimensão da espiritualidade torna-se
realmente de grande importância. O cuidado paliativo é a modalidade
de assistência que abrange as dimensões do ser humano além das
dimensões física e emocional como prioridades dos cuidados
oferecidos, reconhecendo a espiritualidade como fonte de grande
bem-estar e de qualidade de vida ao se aproximar a morte (Wachholtz e
Keefe, 2006). Acolher esse movimento de transcendência neste momento
da existência humana é um dos alicerces dos cuidados paliativos.
Transcender é buscar significado, e a espiritualidade é o caminho.
Pacientes com dor crônica
são difíceis de tratar. O bem-estar físico e o emocional, assim
como as relações sociais, familiares e de trabalho, são
extremamente afetados (Sorajjakool et
al., 2006;
Smith et
al.,
2001). A experiência da dor é mais bem entendida se uma construção
multidimensional, incluindo aspectos físicos, biológicos, sociais,
psicológicos e espirituais, for considerada (Davis et
al.,
2003). Além dos conceitos de nocicepção, sensitividade central e
do componente neuropático da dor, numerosos estudos apontam fatores
não-biológicos, como o suporte social e as estratégias de
enfrentamento (coping),
como fundamentais na percepção de dor dos pacientes (Keefe e Bonk,
1999; Lester et
al., 1996;
Kraaimaat et
al.,
1995). Emoções negativas como depressão e ansiedade
correlacionam-se também com piora na percepção da dor de cada
indivíduo (McWilliams et
al., 2004;
Campbell et
al.,
2003).
Discussão
Religiosidade e
espiritualidade na prática médica
Desde o início da década
de 1980, a medicina vem se direcionando a uma visão mais abrangente
do modelo de atendimento na área da saúde, enfatizando a
importância de fatores ambientais e psicossociais (Engel, 1980). A
medicina moderna encontra-se em fase de transição e está à
procura de novas fronteiras e caminhos para a evolução do
conhecimento. O direcionamento científico da medicina aponta as
áreas da biologia molecular, genética, farmacoterapia e acupuntura,
mas também há reconhecida tendência para o estudo da
espiritualidade (Koenig, 2004). Revistas de alto impacto científico
abrem espaço para artigos relacionados a esse tema, tais como The
Lancet, New England Journal of Medicine, British Medical Journal,
American Journal of Psychiatry, JAMA,
entre dezenas de outras (Koenig et
al.,
1998).
Pacientes querem ser
tratados como pessoas, e não como doenças, e serem observados como
um todo, incluindo-se os aspectos físico, emocional, social e
espiritual (Okon, 2005). Ignorar qualquer uma dessas dimensões torna
a abordagem do paciente incompleta. Apesar de dois terços das
escolas médicas americanas em 2001 lecionarem cursos obrigatórios
ou eletivos sobre religião, espiritualidade e medicina (Barnard et
al.,
1995), poucos médicos hoje percebem as necessidades espirituais dos
seus pacientes. Até mesmo nas áreas mais religiosas dos Estados
Unidos, menos do que um terço dos médicos pergunta sobre a
religiosidade dos pacientes e menos de um entre dez médicos leva em
conta a história espiritual de cada um (Chibnall e Brooks, 2001).
Muitos médicos dizem que se sentem desconfortáveis ao falar sobre
assuntos religiosos ou que não têm tempo para lidar com isso.
Outros não consideram os assuntos espirituais como parte de seus
trabalhos, não entendem por que deveriam ser, não sabem como nem
quando introduzi-los e sequer imaginam quais seriam os resultados
caso os incluíssem (Marr et
al., 2007).
Em pesquisas na população geral e em médicos dos Estados Unidos,
as crenças e o comportamento religioso foram estudados. Revelou-se
que 95% das pessoas acreditam em Deus, 77% acreditam que os médicos
devem considerar as suas crenças espirituais, 73% acreditam que
devem compartilhar as suas crenças religiosas com o profissional
médico e 66% demonstram interesse de que o médico pergunte sobre
sua espiritualidade. No entanto, apenas 10% a 20% relataram que os
médicos discutiram a espiritualidade com elas (Larson e Koenig,
2000; Anaya, 2002; Cowan et
al.,
2003).
Diversos estudos examinaram
a relação da religiosidade e/ou espiritualidade com diversos
aspectos da saúde mental. A maioria deles aponta para melhores
indicadores de saúde mental e adaptação ao estresse em pessoas que
praticam atividades ditas religiosas (Moreira-Almeida, 2006). Outros
estudos mostram que pessoas engajadas em práticas religiosas ou
espirituais são fisicamente mais saudáveis, têm estilo de vida
mais equilibrado e usam menos serviços de saúde (Koenig, 2004). O
impacto do benefício da atividade religiosa na saúde chega a ser
comparado com o abandono do tabagismo e até mesmo com o acréscimo
de sete a 14 anos na expectativa de vida (Neumann e Peeples, 2001). O
impacto também se dá economicamente, pois a prática espiritual é
isenta de custos e seus benefícios resultam menos gastos
hospitalares, medicamentos e exames diagnósticos (Hudson, 1996). No
entanto, obviamente, a prática religiosa não deve substituir a
prática médica.
Várias questões
relacionadas à introdução dos conceitos de espiritualidade e
religiosidade na medicina devem ser consideradas. Embora existam para
algumas doenças, faltam estudos randomizados que evidenciem o
benefício da espiritualidade em doenças específicas, para as quais
este tópico nunca foi cientificamente estudado. A atividade
religiosa do indivíduo, por si, pode ser substancialmente diferente
daquela indicada pelo médico. Em termos epidemiológicos, uma ação
no sentido de reduzir o tabagismo, ou aumentar o nível de exercício
físico, ou uma orientação dietética devem ser comparadas com a
orientação de se procurar uma atividade religiosa, calculando-se
seu custo-benefício.
E quando a religião é
prejudicial? Há também riscos a serem considerados nessa área.
Pensamentos negativos gerando sentimentos de culpa oriundos de
determinada crença religiosa podem ocasionar mais sofrimento ao
paciente, levando à sensação de abandono, desamparo e baixa
auto-estima. Orientações religiosas podem fazer o indivíduo
abandonar o tratamento médico tradicional, havendo piora imediata do
seu quadro clínico, embora a maioria das religiões não estimule a
interrupção do tratamento médico (Koenig et
al.,
1991). Por último, o médico corre o risco de impor a sua prática
religiosa ao paciente e causar uma quebra da relação
médico-paciente. O que deve, então, fazer o médico? O American
College of Physicians,
nos Estados Unidos, publicou um consenso sobre quais questões o
médico deve abordar em relação ao paciente grave: 1) A fé
(religião, espiritualidade) é importante para você nesta doença?
2) A fé (religião, espiritualidade) já foi importante em outras
épocas da sua vida? 3) Você tem alguém para discutir as questões
religiosas? 4) Você gostaria de explorar as questões religiosas com
alguém? (Quill e Byock, 2000)
Para acessar a
espiritualidade de maneira sistemática e padronizada, foram criadas
escalas de avaliação específicas (Kelly et
al., 2006;
Mystakidou et
al., 2006).
As escalas de avaliação da espiritualidade no âmbito médico, como
a Spiritual Involvement and Beliefs Scale (Hatch et
al., 1998)
(Escala de Crenças e Envolvimento Espiritual), a Spiritual
Well-Being Scale (Sieber et
al., 2000)
(Escala de Bem-Estar Espiritual) e a DUREL (Duke University religion
index) (Storch et
al.,
2004). O simples fato de o médico se mostrar preocupado com o
aspecto espiritual do paciente deve melhorar a relação
médico-paciente e, por conseguinte, o impacto das intervenções
médicas realizadas. Por trás desse relacionamento, assim como em
outras situações, percebemos que há energia envolvida no processo.
A etimologia da palavra
energia implica atividade ou todo agente capaz de produzir trabalho
de acordo com a definição da física. Podemos afirmar que a energia
nunca é criada nem destruída, simplesmente é transformada de um
tipo em outro. As energias conhecidas pela física possuem entropia
positiva, uma vez que se propagam de um local de maior potencial para
outro de menor potencial energético. Entretanto, foi descoberta por
Wilhelm Reich outra energia de entropia negativa e denominada energia
sutil ou orgânica. A teoria eletromagnética de Louis Vallé afirma
que se em um determinado espaço a energia atinge uma densidade
suficiente, ocorre a materialização de um fóton. Contudo, se a
energia é de densidade inferior, só pode existir em forma de onda.
Estendendo esse conceito, Pagot afirmou que, densidade ainda menor, a
energia também deixará de ser ondulatória para existir de maneira
difusa perturbando esse espaço (energia de forma). A aplicação de
energia de forma gerada por formas geométricas simétricas é
benéfica aos seres vivos segundo Pagot (1988). Portanto, quais
intervenções espirituais e/ou religiosas podem ser efetuadas? A
reza ou prece é a mais universal e comum das intervenções. Quase
90% das mulheres e 85% dos homens fazem preces, e 80% deles o fazem
com freqüência semanal (Ameling, 2000). A meditação é outra
opção mais voltada para a consciência do corpo, relaxamentos
físico e mental. A leitura bíblica ou de outros textos religiosos
também pode servir a esse propósito (Shelly, 2005).
A psicoterapia baseada na
linha transpessoal ou com enfoque existencial pode ser eficaz na
ajuda ao paciente que procura resolver aspectos relacionados ao
significado e ao propósito da vida. Intervenções comuns em nosso
meio, como a fluidoterapia, atingem de maneira eficaz o sistema
energético bioplasmático (Moreira-Almeida e Lotufo, 2005). Outros
tipos de intervenções espirituais ou religiosas predominam de
acordo com a prática religiosa, tais como: toque terapêutico,
reiki,
as curas em cultos públicos ou encontros privados com curandeiros. A
imensa ausência de evidências científicas, em parte pelo
preconceito, de cada uma dessas modalidades terapêuticas nos
dificulta uma possível recomendação.
Sofrimento
No centro do estresse
espiritual de morrer está o sofrimento individual. George Eliot
comenta: "Profundo e indescritível sofrimento pode bem ser
chamado de um batismo, uma regeneração, uma iniciação de um novo
estado de ser" (Steensma, 2003). Torna-se importante avaliar o
estresse espiritual de morrer para entender mais profundamente o
sofrimento humano. Eric Cassel define o sofrimento como um estado de
estresse grave associado aos eventos que ameaçam a integridade de
cada pessoa. Por conta dessa natureza, "sofrimento é uma
experiência humana" e ocorre assim que o processo de destruição
da pessoa seja percebido, enquanto a ameaça da desintegração
persistir ou até que a integridade da pessoa possa ser restaurada de
alguma maneira. O sofrimento afeta as pessoas em toda a sua
complexidade, podendo ocorrer nas dimensões social, familiar,
física, emocional e espiritual (Cassel, 1982). Outra forma de
expressar a natureza do sofrimento humano no final da vida é o
conceito definido por "dor total" articulado por Saunders
(Saunders e Sykes, 1993). Ela descreveu quatro domínios da dor, que,
em sua totalidade, constituem o conceito da chamada dor total: dor
física (e outros sintomas físicos de desconforto), dor emocional
(ansiedade, depressão), dor social (medo da separação, sensação
de abandono, luto antecipatório) e dor espiritual. Cassel (1999)
completa ainda: "O sofrimento não identificado não poderá ser
aliviado". Entretanto, é preciso compreender que antes de o
paciente em fase final de vida se ajustar às suas necessidades
espirituais, ele precisa ter seus desconfortos físicos bem aliviados
e controlados. Uma pessoa com dor intensa jamais terá condições de
refletir sobre o significado de sua existência, pois o sofrimento
físico não aliviado é um fator de ameaça constante à sensação
de plenitude desejada pelos pacientes que estão morrendo.
Espiritualidade e dor
Se estudos mostram que as
medidas de religiosidade e espiritualidade se comportam como fatores
preditivos de bem-estar e suporte social em outras doenças crônicas,
potencialmente isso deve ocorrer também no âmbito do controle da
dor (Sinclair et
al., 2006;
Harrison et
al., 2005;
Cooper-Effa et
al., 2001;
Koenig, 2001; Brand, 1995). Apesar disso, não são muitos os estudos
que avaliam a influência da religiosidade e da espiritualidade em
pacientes com dor.
Espiritualidade pode ser
definida como aquilo que traz significado e propósito à vida das
pessoas. Essa definição é utilizada como base em cursos médicos
sobre espiritualidade e saúde. A espiritualidade é reconhecida como
um fator que contribui para a saúde e a qualidade de vida de muitas
pessoas. Esse conceito é encontrado em todas as culturas e
sociedades. É expressa como uma busca individual mediante a
participação de grupos religiosos que possuem algo em comum, como
fé em Deus, naturalismo, humanismo, família e arte (Puchalski,
1999). Um dos primeiros estudos em pacientes com dor por crises de
falcização na anemia falciforme mostrou que os pacientes com níveis
mais altos de religiosidade apresentaram um senso de controle maior
da dor, mas não de sua intensidade (Banks, 2006).
Harrison et
al.
(2005), ao avaliarem 50 pacientes americanos com anemia falciforme,
demonstraram que freqüência à igreja mais de uma vez por semana
implica escores mais baixos de dor, porém outros aspectos, como
estudos bíblicos e religiosidade intrínseca, não se relacionam com
o sentir menos dor. Em uma recente revisão, Banks (2006) ressaltou a
importância de incorporar a fé e a espiritualidade ao tratamento de
pacientes com cefaléia crônica diária, mas não há ainda estudos
que norteiem como e quando isso deve ocorrer.
Na literatura de cuidados
paliativos, o tema religiosidade e espiritualidade ganha bastante
importância. Newshan (1998) revê o papel da espiritualidade em
pacientes com câncer ou HIV e dor, ressaltando os domínios do
significado, da esperança, do amor e dos relacionamentos. Avaliações
e intervenções espirituais destacadas para a promoção do conforto
e a diminuição da dor foram: vontade de escutar, atenção e
aceitação. Otis-Green et
al. (2002)
propõem um modelo multidisciplinar envolvendo aspectos espirituais
no tratamento da dor em câncer, discutindo o papel de vários
profissionais, como psicólogos, enfermeiros, oncologistas,
psiquiatras, assistentes sociais, capelães e religiosos, em que cada
um desempenha um papel específico relacionando-se com o paciente
dentro da sua área de atuação profissional ou pessoal.
Algumas pesquisas mostram o
efeito de aspectos religiosos e espirituais no tratamento de
condições dolorosas. Em um estudo comparando o efeito de diferentes
formas de meditação em relação à ansiedade, ao humor e à dor
(Wachholtz e Pargament, 2005), demonstrou-se que o grupo que realizou
meditação com envolvimento espiritual obteve menores níveis de
ansiedade, melhor humor e duas vezes mais tolerância à dor.
Estudaram-se também 122 pacientes com dores musculoesqueléticas e
observou-se que pacientes sentiram-se mais abandonados por Deus e
tiveram menos desejo de diminuir a dor no mundo. Práticas religiosas
privadas foram inversamente relacionadas às variáveis físicas,
mostrando que os pacientes em pior estado tinham maior probabilidade
em se engajar às práticas, como um meio de enfrentamento da sua
baixa qualidade de vida. Aspectos como perdão, experiências
espirituais diárias, suporte religioso e autopercepção de
religiosidade predisseram significativamente o estado de saúde
mental dos pacientes (Rippentrop et
al.,
2005). Sundblom et
al. (1994)
estudaram por um período de um ano e meio o efeito da cura
espiritual em 24 pacientes com síndromes dolorosas crônicas na
Finlândia, encaminhados a tratamento espiritual ou a nenhum
tratamento. Observaram que houve discreta redução no consumo de
analgésicos, melhora na qualidade do sono e que metade (seis
pacientes) sentiu alívio após o tratamento. Abbot et
al. (2001)
estudaram 120 pacientes com dor crônica de diversas etiologias e
avaliaram o efeito de um tratamento de cura face a face e a distância
realizado por 30 minutos por semana, durante oito semanas. Redução
significativa ocorreu nos dois grupos, porém não foi diferente da
dos grupos controle.
Papel da religião nos
cuidados do fim da vida
É interessante perceber que
em meio a era de grandes avanços tecnológicos emerge uma crescente
necessidade de busca espiritual (Marco e Schears, 2006; Lukoff et
al., 1995;
Waldfogel e Wolpe, 1993; Lukoff et
al., 1992;
Urzua, 1991). Então, começa a surgir um desafio aos profissionais
de saúde para responder às questões sobre o equilíbrio entre
saúde e espiritualidade. O uso indiscriminado da tecnologia, mesmo
que repleto de boas intenções, pode resultar abandono não
intencional de outras necessidades muito importantes, como conforto e
controle da dor, e outros sintomas, como comunicação,
espiritualidade e outros valores significativos (Urzua, 1991; Hudson,
1996). Em geral, considera-se inadequado que os médicos façam
sugestões a respeito de escolhas religiosas a seus pacientes que
estão morrendo, bem como aos seus familiares (Marco e Schears,
2006). Essas complexas particularidades levam a uma questão
fundamental: quais as implicações para aqueles que cuidam das
necessidades espirituais dos pacientes na fase final de suas vidas?
Em uma grande pesquisa
nacional (março a agosto de 1999), os investigadores avaliaram
percepções do paciente, da família, dos médicos e de outros
profissionais e voluntários questionados sobre a importância de 44
atributos de qualidade de cuidados no final da vida (Steinhauser et
al.,
2000). Vinte e seis itens foram considerados como extremamente
relevantes em todos os grupos entrevistados e incluíram: controle
efetivo da dor e outros sintomas, preparação para a morte, atingir
um senso de plenitude, ser capaz de tomar decisões sobre os
tratamentos propostos e ser tratado como uma pessoa da maneira mais
completa possível. Apesar do consenso sobre esses aspectos, houve
discrepâncias com significância estatística sobre espiritualidade,
sendo esta reportada como o aspecto mais importante pelos pacientes,
mas não tão importante para seus médicos e demais profissionais da
área de saúde. Problemas de comunicação em relação à
espiritualidade são mais freqüentes nos cuidados com crianças e
adolescentes. Um estudo retrospectivo de cuidados no final da vida em
77 crianças terminais hospitalizadas com idades entre 8 dias e 17
anos constatou apenas um caso bem documentado de um adolescente com
uma discussão clara sobre a possibilidade de morrer (McCallum et
al.,
2000). Outra observação perturbadora extraída de uma análise
retrospectiva de anotações de prontuários de 200 pacientes adultos
em fase final de vida mostrou que, quando documentadas, as discussões
sobre espiritualidade eram caracterizadas como frustrantes pela
equipe de saúde ante as perspectivas não realistas das famílias e
dos próprios pacientes. Essa conclusão sugere que muitos
profissionais de saúde perdem uma excelente oportunidade de avaliar
os aspectos espirituais do paciente, pois interpretam ou pré-julgam
essa dimensão do cuidado como muito abstrata ou utópica (Fins et
al.,
2000).
Entretanto, é preciso
compreender que, antes de o paciente em fase final de vida se ajustar
às suas necessidades espirituais, ele precisa ter seus desconfortos
físicos bem aliviados e controlados. Uma pessoa com dor intensa
jamais terá condições de refletir sobre o significado de sua
existência, pois o sofrimento físico não aliviado é um fator de
ameaça constante à sensação de plenitude desejada pelos pacientes
que estão morrendo. Experimentar um processo de morte serena é,
antes de tudo, ter a oportunidade de viver em plenitude seu último
momento. Proporcionar o alcance dessa plenitude é o objetivo
primordial dos cuidados paliativos (Byock, 2006; Hinshaw, 2005).
Conclusão
É muito importante para a
melhora na qualidade de vida de pacientes com dor crônica integrar
aspectos da espiritualidade, fé e religiosidade com seu atendimento
em diversos aspectos. Futuras pesquisas na área são necessárias
para se definir o exato papel da religiosidade e/ou espiritualidade
na prevalência, impacto e tratamento de pacientes com dor. Novos
avanços devem decorrer do aprofundamento dessas investigações
clínico-científicas e da aplicação da espiritualidade na prática
médica, em especial no manejo daqueles com dor crônica.
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