terça-feira, 2 de abril de 2013

Introdução sobre Espírito, Alma e Corpo


O conceito corrente da constituição dos seres humanos é dualista: alma e corpo. Segundo este conceito, a alma é a parte interior espiritual invisível, enquanto que o corpo é a parte corporal externa visível. Embora haja algo de certo nisto, contudo, é inexato. Esta opinião vem de homens caídos, não de Deus. Além da revelação de Deus não há nenhum conceito seguro. Que o corpo é a cobertura externa do homem é, sem dúvida alguma, correto, mas a Bíblia jamais confunde o espírito e a alma como se fossem a mesma coisa. Não só são diferentes em condições, mas também suas naturezas diferem uma de outra. A Palavra de Deus não divide o homem em duas partes de alma e corpo. Pelo contrário, trata o homem como um ser tripartido: espírito, alma e corpo. 1 Tessalonicenses 5:23, 24 d
«E o próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, e ele também o fará..»

Este versículo mostra claramente que o homem está dividido em três partes. O apóstolo Paulo se refere aqui à santificação total dos crentes: «vos santifique completamente». Segundo o apóstolo, como se santifica uma pessoa por completo? Guardando seu espírito, alma e corpo.
Com isso, é fácil compreender que o conjunto da pessoa compreende estas três partes.
Este versículo também faz uma distinção entre espírito e alma, pois de outro modo Paulo teria dito simplesmente «sua alma». Posto que Deus distinguiu o espírito humano da alma humana, concluímos que o homem está composto, não de dois, mas sim de três partes: espírito, alma e corpo.
Tem alguma importância a divisão em espírito e alma? É um assunto de primordial importância porque afeta tremendamente a vida espiritual do crente. Como um crente pode compreender  a vida espiritual se não conhecer o alcance do mundo espiritual? Sem compreender isto como pode crescer espiritualmente?
O fracasso em distinguir entre o espírito e a alma é fatal para a maturidade espiritual. Com freqüência os cristãos consideram espiritual o que é anímico (ou seja, da alma), e desta maneira permanecem em um estado anímico e não procuram o que é espiritual seriamente.
Como poderemos escapar do fracasso se confundirmos o que Deus dividiu?
O conhecimento espiritual é muito importante para a vida espiritual. Acrescentemos, não obstante, que para o crente é de igual importância, ou mais, ser humilde e estar disposto a aceitar o ensino do Espírito Santo. Se o for, o Espírito Santo lhe concederá a experiência de dividir espírito e alma, embora possivelmente não tenha muito conhecimento sobre esta verdade. Por um lado, o crente mais ignorante, sem o mínimo entendimento da divisão de espírito e alma, pode, entretanto, experimentar esta divisão na vida real. Por outro lado, o crente mais informado, conhecedor por completo da verdade sobre espírito e alma, pode, entretanto, não vivê-la em sua experiência. Muito melhor é o caso da pessoa que pode ter tanto o conhecimento como a experiência.
No entanto, a maioria carece desta experiência. Em conseqüência, é bom começar por guiá-los a que conheçam as diferentes funções do espírito e da alma e em seguida animá-los a procurar o que é espiritual.
Outras partes da Bíblia fazem a mesma diferenciação entre espírito e alma.
«Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração.» (Hb. 4:12).
Neste versículo, o escritor divide os elementos não corporais do homem em duas partes, «alma e espírito». Aqui se menciona a parte corporal através das juntas e das medulas — órgãos motores e sensoriais. Quando o sacerdote utiliza a faca para cortar e dividir totalmente o sacrifício, não pode ficar nada oculto. Inclusive se separam as juntas e as medulas (tutanos). Da mesma maneira o Senhor Jesus usa a Palavra de Deus sobre seu povo para separá-lo todo, para penetrar inclusive até a divisão do espiritual, o anímico e o físico. E daqui se deduz que, posto que se pode dividir a alma e o espírito, devem ser diferentes em sua natureza. Assim, é evidente aqui que o homem é um composto de três partes.

A criação do homem 

«E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente.» (Gn. 2:7).
Quando Deus criou o homem, no princípio o formou com o pó, e em seguida soprou «o fôlego de vida» em seu nariz. Assim que o fôlego de vida, que se converteu no espírito do homem, entrou em contato com o corpo do homem, teve origem a alma. Daí que a alma é a combinação do corpo e do espírito do homem. Por isso a Bíblia chama o homem «uma alma vivente».
O fôlego de vida se converteu no espírito do homem, quer dizer, o princípio de vida nele. O Senhor Jesus nos diz que «é o espírito o que dá vida» (Jo. 6:63). Este fôlego de vida vem do Senhor da Criação. Entretanto, não devemos confundir o espírito do homem com o Espírito Santo de Deus. Este difere de nosso espírito humano. Romanos 8:16 explica sua diferença ao afirmar que «O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus». O original da  palavra «vida» em «fôlego de vida» é chay e está no plural. Isto pode referir-se ao fato de que o sopro realizado por Deus produziu uma vida dupla, anímica e espiritual. Quando o fôlego de Deus entrou no corpo do homem, se converteu no espírito do homem, mas quando o espírito reagiu com o corpo, se criou a alma. Isto explica a origem de nossas vidas espiritual e anímica.
Devemos reconhecer, entretanto, que esse espírito não é a própria vida de Deus, porque «O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida» (Jó 33:4).
Não é a entrada no homem da vida incriada de Deus, como tampouco é a vida de Deus que recebemos na regeneração. O que recebemos no novo nascimento é a própria vida de Deus simbolizada pela árvore da vida. Mas nosso espírito humano, embora exista permanentemente, está vazio de «vida eterna».
«Formou o homem do pó da terra» se refere ao corpo do homem; «soprou em seu nariz o fôlego de vida» se refere ao espírito do homem ao vir de Deus; e «o homem se tornou uma alma vivente» se refere à alma do homem quando o corpo foi avivado pelo espírito e convertido em um homem vivo e consciente de si mesmo. Um homem completo é uma trindade: composto de espírito, alma e corpo. Segundo Gênesis 2:7, o homem foi feito de só dois elementos independentes, o corporal e o espiritual. Mas quando Deus pôs o espírito dentro da armação de terra se criou a alma. O espírito do homem, ao entrar em contato com o corpo morto, produziu a alma. O corpo separado do espírito estava morto, mas com o espírito, o homem recebeu a vida. O órgão assim vivificado foi chamado alma.
«O homem se converteu em uma alma vivente» expressa, não meramente o fato de que a combinação de espírito e corpo produziu a alma, também sugere que o espírito e o corpo foram totalmente fundidos nesta alma. Em outras palavras, a alma e o corpo se combinaram com o espírito, e o espírito e o corpo se fundiram na alma.
«Adão, antes da queda, não sabia nada desta incessante luta do espírito e da carne, que são já algo cotidiano para nós. Havia uma perfeita mistura de suas três naturezas em uma, e a alma, como meio unificador, converteu-se na causa de sua individualidade, de sua existência como ser distinto»
(Earth's Earliest Age, do Pember).
O homem foi desenhado como alma vivente porque era ali onde o espírito e o corpo se encontraram e é através dela que se conhece sua individualidade.
Possivelmente poderíamos usar uma ilustração imperfeita: joguem umas gotas de tintura em um copo de água. O tintura e a água se combinarão produzindo uma terceira substância chamada tinta. De igual maneira os dois elementos independentes do espírito e o corpo se combinam para converter-se em uma alma humana. (A analogia falha em que a alma produzida pela combinação do espírito e o corpo se converte em um elemento independente e indissolúvel como o são o espírito e o corpo.)
Deus considerou a alma humana como algo único. Como os anjos foram criados como espíritos, o homem foi criado de maneira predominante como alma vivente. O homem não só tinha um corpo, um corpo com o fôlego de vida; também se converteu em uma alma vivente. Por isso veremos mais adiante na Bíblia, que Deus freqüentemente se refere aos homens como «almas». Por que? Porque o que o homem é depende de como é sua alma. Sua alma o representa e expressa sua individualidade. É o órgão da livre vontade do homem, o órgão no qual o espírito e o corpo estão totalmente fundidos. Se a alma do homem quer obedecer a Deus, permitirá que o espírito governe o homem conforme o ordenado por Deus. A alma, se o decidir, também pode reprimir o espírito e tomar algum prazer como senhor do homem.
Pode-se ilustrar em parte esta trindade de espírito, alma e corpo com uma lâmpada elétrica. Dentro da lâmpada, que pode representar o conjunto do homem, há eletricidade, luz e arame.
O espírito é como a eletricidade, a alma é a luz e o corpo é o arame. A eletricidade é a causa da luz, enquanto que a luz é o efeito da eletricidade. O arame é a substância material para transportar a eletricidade, para manifestar a luz. A combinação do espírito e do corpo produz a alma, que é única do homem. De maneira que a eletricidade, transportada pelo arame, é expressa na luz, assim também o espírito atua sobre a alma, e a alma, por sua vez, se expressa por meio do corpo.
Entretanto, devemos lembrar bem que enquanto a alma é o ponto de encontro dos elementos de nosso ser nesta vida presente, o espírito será o poder dominante em nosso estado de ressurreição. Porque a Bíblia nos diz: «semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Há um corpo natural, e há um corpo espiritual» (1 Co. 15:44). Entretanto, aqui há um ponto vital: nós que fomos unidos ao Senhor ressuscitado podemos conseguir inclusive agora que nosso espírito governe todo nosso ser. Não estamos unidos ao primeiro Adão, que foi feito uma alma vivente, mas sim ao último Adão, que é um espírito vivificador («ou que dá vida») (v. 45).

As respectivas funções do espírito, da alma e do corpo.

É por meio do corpo que o homem entra em contato com o mundo material. Daí podemos qualificar o corpo como a parte que nos faz conscientes do mundo. A alma é formada pelo intelecto, que nos ajuda no presente estado de existência, e as emoções, que procedem dos sentidos. Posto que a alma pertence ao próprio eu do homem e revela sua personalidade, é chamada a parte que tem auto consciência de si mesmo. O espírito é a parte mediante a qual nos comunicamos com Deus, e só por ela podemos perceber e adorar a Deus. Como nos fala de nossa relação com Deus, o espírito é chamado o elemento que tem consciência de Deus. Deus vive no espírito, o eu vive na alma, enquanto que os sentidos vivem no corpo.
Como já mencionamos, a alma é o ponto de encontro do espírito e do corpo, porque ali estão os dois fundidos. Mediante seu espírito o homem mantém relação com o mundo espiritual e com o Espírito de Deus, recebendo e expressando ambos o poder e a vida do mundo espiritual. O homem está em contato com o mundo externo sensorial através de seu corpo, influenciando-o e recebendo suas influências. A alma se encontra entre estes dois mundos, embora pertença a ambos. Está ligada ao mundo espiritual através do espírito, e ao mundo material através do corpo. Também possui o poder da livre vontade e por isso pode escolher entre suas influências ambientais. O espírito não pode atuar diretamente sobre o corpo. Necessita um meio, e esse meio é a alma criada pelo contato do espírito com o corpo. Assim, a alma se encontra entre o espírito e o corpo, mantendo-os unidos. O espírito pode submeter o corpo através da alma para que obedeça a Deus. Da mesma maneira o corpo, mediante a alma, pode atrair o espírito a amar ao mundo.
Destes três elementos o espírito é o mais nobre porque está unido a Deus. O corpo é o mais humilde porque está em contato com a matéria. A alma, ao estar entre eles, une-os e também toma o caráter de ambos e o faz dele. A alma torna possível que o espírito e o corpo se comuniquem e colaborem. O trabalho da alma é manter esses dois em seu lugar adequado, para que não percam sua correta relação: quer dizer, que o mais humilde, o corpo, possa estar sujeito ao espírito, e que o mais elevado, o espírito, possa governar o corpo por meio da alma. O fator fundamental do homem é, sem dúvida alguma, a alma. É dependente de que o espírito lhe dê o que recebeu do Espírito Santo e, assim, depois de ter sido aperfeiçoada, poder transmitir ao corpo o que recebeu. Então o corpo também pode compartilhar a perfeição do Espírito Santo e converter-se assim em um corpo espiritual.
O espírito é a parte mais nobre do homem e ocupa a área mais profunda de seu ser. O corpo é a mais humilde e toma o lugar mais exterior. Entre os dois vive a alma, servindo como seu meio. O corpo é a coberta externa da alma, enquanto que a alma é o pacote externo do espírito. O espírito transmite seu pensamento à alma e a alma utiliza o corpo para obedecer à ordem do espírito.
Este é o significado da alma como mediadora. Antes da queda do homem, o espírito controlava todo o ser por meio da alma.
O poder da alma é o mais importante, posto que o espírito e o corpo estão fundidos ali e a têm como sede da personalidade e influência do homem. Antes de que o homem pecasse, o poder da alma estava completamente sob o domínio do espírito. Em conseqüência, sua força era a força do espírito. O espírito não pode atuar sobre o corpo por si mesmo, só fazê-lo através e por intermédio da alma. Isto podemos ver em Lucas 1:46, 47:
«Disse então Maria: A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta em Deus meu Salvador.»
«Aqui a mudança do tempo verbal mostra que primeiro o espírito produziu gozo em Deus, e então, comunicando-se com a alma, fez que expressasse o sentimento por meio do órgão corporal»
(Earth'sEarliest Age, de Pember).
Repito-o: a alma é a sede da personalidade. A vontade, intelecto e emoções do homem estão ali. Enquanto que o espírito é usado para comunicar com o mundo espiritual e o corpo com o natural, a alma se mantém entre ambos e utiliza seu poder para discernir e decidir se deve predominar o mundo espiritual ou o natural. Algumas vezes também a mesma alma toma o controle do homem por meio de seu intelecto, criando desta maneira um mundo de idéias que predomina. Para que o espírito governe, a alma tem que dar seu consentimento, pois de outro modo o espírito é incapaz de regular a alma e o corpo. Mas esta decisão é coisa da alma, porque nela é onde reside a personalidade do homem.
Verdadeiramente, a alma é o eixo de todo o ser, porque a vontade do homem lhe pertence. Somente quando a alma está disposta a assumir uma posição humilde, pode o espírito dirigir todo o homem. Se a alma se nega a tomar esta posição, o espírito ficará impotente. Isto explica o significado do livre arbítrio do homem. O homem não é um autômato que se move segundo Deus queira. Ao contrário, o homem possui um total poder soberano para decidir por si mesmo. Possui o órgão de sua própria capacidade volitiva e pode escolher seguir a vontade de Deus ou opor-se a Ele e seguir a vontade de Satanás. Deus deseja que o espírito, sendo a parte mais nobre do homem, controle todo o ser. Entretanto, a vontade — a parte crucial da individualidade — pertence à alma. É a vontade que determina se deve governar o espírito, o corpo ou inclusive ela mesma. Em vista do fato de que a alma possui semelhante poder e que é o órgão da individualidade do homem, a Bíblia chama o homem «alma vivente».

O templo santo e o homem.

O apóstolo Paulo escreve:
«Não sabeis vós que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque sagrado é o santuário de Deus, que sois vós.» (1 Co. 3:16, 17).
Paulo recebeu revelação para comparar o homem com o templo. Da maneira que antes Deus vivia no templo, agora o Espírito Santo vive no homem. Comparando com o templo, podemos ver como se manifestam claramente os três elementos do homem.
Sabemos que o templo está dividido em três partes. A primeira é o pátio exterior, que todos podem ver e visitar. Aqui se oferece toda a adoração externa. Mais adiante está o Lugar Santo, no qual só podem entrar os sacerdotes e onde se oferece a Deus azeite, incenso e pão. Estão muito perto de Deus, mas ainda lhes falta porque estão ainda fora do véu e, em conseqüência, não podem estar diante de sua própria presença. Deus reside no mais profundo, no Lugar Santíssimo, onde a escuridão fica eclipsada pela luz brilhante e onde nenhum homem pode entrar. Embora o Sumo Sacerdote o faça uma vez ao ano, isto indica, no entanto, que enquanto o véu não seja esmigalhado não pode haver nenhum homem no Lugar Santíssimo.
O homem também é o templo de Deus e também tem três partes. O corpo é como o pátio exterior, e ocupa uma posição externa com sua vida visível para todos. Aqui o homem deveria obedecer toda ordem de Deus. Aqui o Filho de Deus serve como substituto e morre pela humanidade. Dentro está a alma do homem, que constitui a vida interior do homem e abrange a emoção, a vontade e o pensamento. Assim é o Lugar Santo de uma pessoa regenerada, porque seu amor, vontade e pensamento estão plenamente iluminados para que possam servir a Deus como o fazia o sacerdote na antigüidade. Na parte mais interna, atrás do véu, está o Lugar Santíssimo, no qual não penetrou jamais nenhuma luz humana e que nenhum olho viu. É o «esconderijo do Altíssimo», o lugar onde vive Deus. O homem não tem entrada ali, a menos que Deus esteja disposto a rasgar o véu. É o espírito do homem. O espírito se encontra além da consciência do homem e por cima de sua sensibilidade. Aqui o homem se une e se comunica com Deus.
Não há abajur ou luz alguma no Lugar Santíssimo, porque Deus vive ali. No Lugar Santo há o candelabro de sete braços. E o pátio exterior recebe a luz do dia. Todos estes servem de imagens e sombras para uma pessoa regenerada. Seu espírito é como o Lugar Santíssimo, onde vive Deus, onde tudo se faz por fé, além da visão, sentido ou compreensão do crente. A alma se assemelha ao Lugar Santo, que está abundantemente iluminado com muitos pensamentos e preceitos racionais, muito conhecimento e compreensão sobre as coisas do mundo material e o das idéias. O corpo é comparável ao pátio exterior, claramente visível para todos. Todos podem ver as ações do corpo.
A ordem que Deus nos apresenta é inequívoca: «seu espírito e alma e corpo» (1 Ts. 5:23). Não é «alma e espírito e corpo», nem tampouco é «corpo e alma e espírito». O espírito é a parte preeminente e por isso é mencionado em primeiro lugar. O corpo é a parte mais humilde e em conseqüência é mencionado no final. E a alma está no meio e por isso é mencionada entre as outras duas.
Tendo visto agora a ordem de Deus, podemos apreciar a sabedoria da Bíblia ao comparar o homem com um templo. Podemos reconhecer a perfeita harmonia que existe, entre o templo e o homem quanto à ordem e ao valor.
O serviço do templo funciona segundo a revelação no Lugar Santíssimo. Todas as atividades do Lugar Santo e do pátio exterior estão reguladas pela presença de Deus no Lugar Santíssimo. Este é o setor mais sagrado, o lugar ao qual convergem e se apóiam as quatro esquinas do templo. Pode nos parecer que no Lugar Santíssimo não se faz nada porque está completamente às escuras. Todas as atividades se realizam no Lugar Santo, e inclusive as atividades do pátio exterior são controladas pelos sacerdotes do Lugar Santo. No entanto, todas as atividades do Lugar Santo na realidade são dirigidas pela revelação no absoluto silêncio e paz do Lugar Santíssimo.
Não é difícil perceber a aplicação espiritual disto. A alma, o órgão de nossa personalidade, compõe-se de pensamento, vontade e emoção. É como se a alma fosse o diretor de todas as ações, porque o corpo segue seu direcionamento. Antes da queda do homem, entretanto, apesar de suas muitas atividades, a alma era governada pelo espírito. E esta é a ordem que Deus quer ainda: primeiro o espírito, depois a alma, e finalmente o corpo.

2. O espírito e a alma

O espírito

É imperativo que um crente saiba que tem um espírito, posto que, como logo veremos, toda comunicação com Deus tem lugar ali. Se o crente não discernir seu próprio espírito, sempre ignorará a maneira de comunicar-se com Deus no espírito. Facilmente substitui as obras do espírito com os pensamentos e emoções da alma. Dessa maneira se auto-limita ao mundo exterior, incapaz para sempre de alcançar o mundo espiritual.
1 Coríntios 2:11 fala do espírito do homem que está «nele».
2 Coríntios 5:4 menciona «meu espírito».
Romanos 8:16 diz «nosso espírito».
1 Coríntios 14:14 utiliza «meu espírito».
1 Coríntios 14:32 fala dos «espíritos dos profetas».
Provérbios 25:28 se refere a «seu próprio espírito».
Hebreus 12:23 consigna «os espíritos dos justos».
Zacarias 12:1 afirma que «o Senhor... formou o espírito do homem dentro dele».
Estes versículos demonstram claramente que os seres humanos possuem, com efeito, um espírito humano. Este espírito não é sinônimo de nossa alma nem é tampouco o Espírito Santo.
Adoramos a Deus neste espírito.
Segundo os ensinamentos da Bíblia e a experiência dos crentes, pode-se dizer que o espírito humano compreende três partes. Ou, expresso de outro modo, se pode dizer que tem três funções principais. Estas são a consciência, a intuição e a comunhão.
A consciência é o órgão que discerne; distingue o bom e o mau. Entretanto, não o faz por meio da influência do conhecimento armazenado na mente, mas sim com um espontâneo julgamento direto. Frequentemente nosso raciocínio justifica o que nossa consciência julga. O trabalho da consciência é independente e direto, pois não se submete às opiniões do exterior. Se a obra do homem for má, a consciência levantará sua voz acusatória.
A intuição é o órgão sensitivo do espírito humano. É tão diametralmente diferente do sentido físico e do sentido anímico que é chamada intuição. A intuição suporta uma sensibilidade direta independente de qualquer influência exterior. Esse conhecimento que nos chega sem nenhuma ajuda do pensamento, da emoção ou da vontade é intuitivo. «Sabemos» por meio de nossa intuição, e nossa mente nos ajuda a «compreender». As revelações de Deus e todos os movimentos do Espírito Santo são perceptíveis para o crente através da intuição. Em conseqüência, um crente deve levar em consideração dois elementos: a voz da consciência e o ensino da intuição.
A comunhão é a adoração a Deus. Os órgãos da alma são incompetentes para adorar a Deus. Não podemos receber Deus com nossos pensamentos, sentimentos ou intenções, porque unicamente podemos conhecê-Lo diretamente em nossos espíritos. Nossa adoração a Deus e as comunicações de Deus conosco acontecem diretamente no espírito. Têm lugar no homem interior», não na alma ou no homem exterior.
Assim, podemos concluir que estes três elementos, consciência, intuição e comunhão, estão profundamente inter-relacionados e funcionam coordenados. A relação entre consciência e intuição é que a consciência julga segundo a intuição; condenando toda conduta que não siga as diretrizes dadas pela intuição. A intuição está relacionada com a comunhão ou adoração em que Deus se dá a conhecer ao homem pela intuição e lhe revela sua vontade também por meio da intuição. Nem a expectativa nem a dedução nos dão o conhecimento de Deus.
Nos versículos seguintes, separados em três grupos, pode-se observar rapidamente que nossos espíritos possuem a função da consciência (note-se que não dissemos que o espírito é a consciência), a função da intuição (ou sentido espiritual) e a função da comunhão (ou adoração).

A) A função da consciência no espírito do homem.

«O Senhor teu Deus lhe endurecera o espírito» (Dt. 2:30).
«Salva os contritos de espírito» (Sl. 34:18).
«Renova em mim um espírito estável» (Sl. 51:10).
«Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito» (Jo. 13:21).
«Revoltava-se nele o seu espírito, vendo a cidade cheia de» (At. 17:16).
«O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus» (Rm. 8:16).
«Ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, já julguei, como se estivesse presente» (1 Co. 5:3).
«Não tive descanso no meu espírito» (2 Co. 2:13).
«Porque Deus não nos deu o espírito de covardia» (2 Tm. 1:7).

B) A função da intuição no espírito do homem.

«O espírito, na verdade, está pronto» (MT. 26:41).
«Jesus logo percebeu em seu espírito» (Mc. 2:8).
«Suspirando profundamente em seu espírito» (Mc. 8:12).
«comoveu-se profundamente em espírito» (Jo. 11:33).
«Paulo estava constrangido no espírito» (At. 18:5).
«Sendo fervoroso de espírito» (At. 18:25).
«Constrangido no meu espírito, vou a Jerusalém» (At. 20:22).
«Qual dos homens entende as coisas do homem, senão o espírito do homem que nele está?» (1 Co. 2:11).
«Reconfortaram o meu espírito assim como o vosso» (1 Co. 16:18).
«O seu espírito tem sido reconfortado por vós todos» (2 Co. 7:13).

C) A função da comunhão no espírito do homem.

«Meu espírito exulta em Deus meu Salvador» (Lc. 1:47).
«Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade» (Jo. 4:23).
«A quem sirvo em meu espírito» (Rm. 1:9).
«Servirmos... em novidade de espírito» (Rm. 7:6).
«Recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai!» (Rm. 8:15).
«O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito» (Rm. 8:16).
«o que se une ao Senhor é um só espírito com ele.» (1 Co.6:17).
«cantarei com o espírito» (1 Co. 14:15).
«Se tu bendisseres com o espírito» (1 Co. 14:16).
«E levou-me em espírito» (Ap. 21:10).
Por estes versículos podemos saber que nosso espírito possui pelo menos estas três funções. Apesar dos homens não regenerados ainda não terem vida, mesmo assim possuem estas funções (mas sua adoração é dirigida a espíritos malignos). Algumas pessoas manifestam mais que estas funções, enquanto outras manifestam menos. Isto, entretanto, não implica que não estejam mortos em pecados e transgressões. O Novo Testamento não considera os possuidores de uma consciência sensível, uma grande intuição ou uma tendência ou um interesse espirituais como salvos. Estas pessoas só nos demonstram que, além do pensamento, a emoção e a vontade de nossa alma, também temos um espírito. Antes da regeneração o espírito está separado da vida de Deus. Só depois daquela viverá em nossos espíritos a vida de Deus e do Espírito Santo. E então serão vivificados para ser instrumentos do Espírito Santo.
Nossa meta ao estudar a importância do espírito é nos capacitar para compreender que, como seres humanos, possuímos um espírito independente. Este espírito não é a mente do homem, sua vontade ou sua emoção. Ao contrário, abrange as funções da consciência, da intuição e da comunhão. É no espírito onde Deus nos regenera, nos ensina e nos guia a seu repouso. Mas é triste ter que dizer que, devido aos longos anos de domínio da alma, muitos cristãos sabem muito pouco de seu espírito. Deveríamos tremer diante de Deus e lhe pedir que nos ensine através da experiência o que é espiritual e o que é anímico.
Antes que o crente nasça de novo, seu espírito fica tão submerso e envolto por sua alma que lhe é impossível distinguir se algo sai da alma ou do espírito. As funções deste se misturaram com as daquela. Além disso, o espírito perdeu sua função original — sua relação com Deus — porque está morto para Deus. Poderia parecer que se converteu em um acessório da alma. E ao crescer e fortalecer o pensamento, a emoção e a vontade, as funções do espírito ficam tão eclipsadas que são quase ignoradas. É por isto que terá que fazer a obra de separação entre alma e espírito quando o crente tiver sido regenerado.
Ao investigar as Escrituras parece realmente que um espírito regenerado funciona da mesma maneira que o faz a alma. Os seguintes versículos o ilustram:
«Seu espírito estava perturbado» (Gn. 41:8).
«que é imprudente de espírito exalta a loucura» (Pv. 14:29).
«Um espírito abatido seca os ossos» (Pv. 17:22).
«Os que erram em espírito» (Is. 29:24).
«E gemerão pela angústia de espírito» (Is. 65:14).
«Seu espírito se endureceu» (Dn. 5:20).
Estes versículos nos mostram as obras do espírito não regenerado e nos indicam o quão parecidas são suas obras com as da alma. O motivo de não mencionar a alma mas sim o espírito é mostrar o que tem ocorrido no mais profundo do homem. Descobre-se de que maneira a alma do homem chegou a influenciar e a controlar completamente o seu espírito, obtendo com isto a manifestação das obras da alma. Ainda assim o espírito ainda existe, porque estas obras saem do espírito. Embora continue governado pela alma, o espírito não deixa de ser um órgão.

A alma

Além de possuir um espírito que lhe permite ter uma comunicação íntima com Deus, o homem também tem uma alma, a consciência de si mesmo. A operação da alma o faz ser consciente de sua existência. É a sede de nossa personalidade. Os elementos que nos fazem humanos pertencem à alma. O intelecto, os ideais, o amor, a emoção, o discernimento, a capacidade de escolher, a decisão, etc., não passam de diferentes experiências da alma.
Já foi explicado que o espírito e o corpo estão fundidos na alma, a qual, a sua vez, forma o órgão de nossa personalidade. É por isso que em algumas ocasiões a Bíblia chama ao homem «alma», como se o homem só possuísse este elemento. Por exemplo, Gênesis 12:5 fala das pessoas como «almas».
E quando Jacó levou a toda sua família ao Egito, diz que «todas as almas da casa do Jacó que entraram no Egito eram setenta» (Gn. 46:27).
No original da Bíblia há numerosos casos em que se usa «alma» em lugar de «homem». Isto se deve a que a sede e a essência da personalidade é a alma.
Compreender a personalidade de um homem é compreender sua pessoa. A existência, as características e a vida de um homem se encontram todas na alma. Em conseqüência a Bíblia chama ao homem «uma alma».
O que constitui a personalidade do homem são as três faculdades principais de vontade, pensamento e emoção.
A vontade é o instrumento de nossas decisões e revela nosso poder de escolha. Expressa nosso consentimento ou nossa negativa, nosso «sim» ou nosso «não». Sem ele o homem fica reduzido a um autômato.
A mente, o instrumento de nossos pensamentos, manifesta nosso poder intelectual. É a fonte da sabedoria, do conhecimento e do raciocínio. Sua ausência faz que um homem seja tolo e inepto.
O instrumento de nossas simpatias e antipatias é a faculdade da emoção. Por meio dela podemos expressar amor ou ódio e nos sentir alegres, zangados, tristes ou felizes. Sua escassez fará o homem insensível como a madeira ou a pedra.
Um cuidadoso estudo da Bíblia nos levará à conclusão de que estas três faculdades básicas da personalidade pertencem à alma. Há muitas passagens bíblicas, e não é possível citá-las todas. Daí que só podemos enumerar uma breve seleção das mesmas.

A) A faculdade da vontade da alma

«Não me entregues à vontade (original, "alma") de meus adversários» (Sl. 27:12).
«Não o entregarás à vontade (original, "alma") de seus inimigos» (Sl. 41:2).
«Te entreguei à vontade (original, "alma") dos que te odeiam» (Ez. 16:27).
«Deixá-la-ás ir à sua vontade (original, "alma")» (Dt. 21:14).
«Eia! cumpriu-se o nosso desejo! (original, "alma")» (Sl. 35:25).
«Ou faz um voto para ligar-se ele mesmo (original, "alma") com uma obrigação» (Nm. 30:2).
«Disponde, pois, agora vossa mente e vosso coração (original, "alma") para buscardes ao Senhor vosso Deus» (1 Cr. 22:19).
«Eles desejam e elevam sua alma por voltar a viver ali» (Jr. 44:14).
«Nessas coisas a minha alma recusa tocar» (Jó 6:7).
«Minha alma escolheria antes a estrangulação, e a morte do que estes meus ossos» (Jó 7:15).
Aqui «vontade» ou «coração» assinalam à vontade humana. — Dispor o coração», «elevar sua alma», «negar-se», «preferir», são, todas, atividades da vontade e têm sua origem na alma.

B) A faculdade do intelecto ou a mente da alma

«E o desejo dos seus corações, juntamente com seus filhos e suas filhas» (Ez. 24:25).
«Não é bom uma alma agir sem refletir» (Pv. 19:2).
«Até quando encherei de cuidados  (siríaco, hebreu: suportar os conselhos) a minha alma?» (Sl. 13:2).
«Suas obras são maravilhosas e minha alma as conhece bem» (Sl. 139:14).
«Minha alma ainda os conserva na memória» (Lm. 3:20).
«O conhecimento será aprazível à tua alma» (Pv. 2:10).
«Guarda a verdadeira sabedoria e o bom siso; assim serão elas vida para a tua alma» (Pv. 3:21, 22).
«Sabe que é assim a sabedoria para a tua alma» (Pv. 24:14).
Aqui «conhecimento», «conselho», «elevar», «pensar», «refletir», «sabedoria» etc., existem como atividades do intelecto ou da mente do homem, as quais a Bíblia nos diz que provêm da alma.

C) A faculdade da emoção da alma

1) EMOÇÕES DE AFETO

«A alma de Jônatas se uniu à alma de David, e Jônatas o amou como à sua própria alma» (1 Sm. 18:1).
«Você a quem ama minha alma» (Ct. 1:7).
«Minha alma engrandece ao Senhor» (Lc. 1:46).
«Sua vida detesta o pão, e sua alma a comida deliciosa» (Jó 33:20).
«Os que a alma do David odeia» (2 Sm. 5:8).
«Minha alma se zangou com eles» (Zc. 11:8).
«Amarás ao Senhor teu Deus... com toda tua alma» (Dt. 6:5).
«Minha alma está cansada da vida» (Jó 10:1).
«Sua alma detesta toda classe de comida» (Sl. 107:18).

2) EMOÇÕES DE DESEJO

«Por tudo o que te pedir a tua alma» (Dt. 14:26).
«O que possa dizer sua alma» (1 Sm. 20:4).
«Minha alma suspira! sim, desfalece pelos átrios do Senhor» (Sl. 84:2).
«O desejo de sua alma» (Ez. 24:21).
«Tanto te deseja minha alma, Oh Deus» (Sl. 42:1).
«Minha alma suspira por ti de noite» (Is. 26:9).
«Minha alma está contente» (Mt. 12:18).

3) EMOÇÕES DE SENTIMENTOS E SENSAÇÕES

«Além disso uma espada transpassará sua própria alma» (Lc. 2:35).
«Todo o povo estava amargurado na alma» (1 Sm. 30:6).
«Sua alma está em amargura» (2 Rs.4:27).
«Sua alma se moveu de compaixão por causa da desgraça de Israel» (Jz. 10:16).
«Quanto tempo atormentará minha alma» (Jó 19:2).
«Minha alma exultará em meu Deus» (Is. 61:10).
«Alegra a alma de seu servo» (Sl. 86:4).
«Sua alma se deprimiu em seu interior» (Sl. 107:5).
«por que estás abatida, Oh minha alma» (Sl. 42:5).
«Volta, Oh minha alma, a seu descanso» (Sl. 116:7).
«Minha alma se consome de desejo» (Sl. 119:20).
«Doçura para a alma» (Pv. 16:24).
«Deixa que tua alma se deleite na gordura» (Is. 55:2).
«A minha alma está triste até a morte» (Mt. 26:38).
«afligia todos os dias a sua alma justa» (2 Pe. 2:8).
Nestas observações sobre as diversas emoções do homem podemos descobrir que nossa alma é capaz de amar e de odiar, de desejar e de aspirar, de sentir e de perceber.
Neste breve estudo bíblico se torna evidente que a alma do homem possui a parte conhecida como vontade, a parte conhecida como mente ou intelecto e a parte conhecida como emoção.

A vida da alma

Alguns eruditos bíblicos nos assinalam que no grego se empregam três palavras diferentes para designar «a vida»:
1) BIOS
2) psyche
3) zoe
Todas descrevem a vida, mas comunicam significados muito diferentes.
BIOS faz referência ao meio de vida ou sustento. Nosso Senhor Jesus usou esta palavra quando elogiou à mulher que atirou no tesouro do templo todo seu sustento.
Zoe é a vida mais elevada, a vida do espírito. Sempre que a Bíblia fala da vida eterna utiliza esta palavra.
Psyche se refere à vida animada do homem, a sua vida natural ou vida da alma. A Bíblia emprega este termo quando descreve a vida humana.
Observemos agora que as palavras «alma» e «vida da alma» na Bíblia são uma e a mesma no original. No Antigo Testamento a palavra hebréia para «alma» — nephesh — se utiliza também para «vida da alma». Por conseguinte, o Novo Testamento usa a palavra grega psyche para «alma» e «vida da alma». Por isso sabemos que «a alma» não só é um dos três elementos do homem, mas sim também é a vida do homem, sua vida natural. Em muitos lugares da Bíblia se traduz «alma» por «vida».
«Somente que não comam a carne com sua vida, quer dizer, seu sangue» (Gn. 9:4,5).
«A vida da carne está no sangue» (Lv. 17:11).
«Morreram os que procuravam a morte do menino» (Mt. 2:20).
«É lícito no sábado salvar a vida ou tirá-la?» (Lc. 6:9).
«Os que têm exposto as suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo» (At. 15:26).
«Em nada tenho a minha vida como preciosa para mim» (At. 20:24).
«Para dar sua vida como um resgate por muitos» (Mt. 20:28).
«O bom pastor sacrifica sua vida pelas ovelhas» (Jo. 10:11,15, 17).
A palavra «vida» nestes versículos é «alma» no original. Traduziu-se assim porque do contrário seria difícil compreendê-la. Verdadeiramente a alma é a mesma vida do homem.
Como já mencionamos, «a alma» é um dos três elementos do homem. «A verdade da alma» é a vida natural do homem, a que o faz existir e o vivifica. É a vida pela qual vive o homem atualmente, é o poder pelo qual o homem é o que é. Como a Bíblia aplica nephesh e psyche à alma e à vida do homem, é evidente que embora distintas não são separáveis. São distinguíveis, dado que em certos lugares psyche (por exemplo) é traduzida por «alma» ou «vida». Não se podem intercambiar as traduções. Por exemplo, «alma» e «vida» em Lucas 12:19-23 e em Marcos 3:4 são na realidade a mesma palavra no original, mas as traduções com a mesma palavra em outras línguas não teria sentido. Entretanto são inseparáveis porque as duas estão completamente unidas no homem. Um homem sem alma não vive. A Bíblia nunca nos diz que um homem natural possua outra vida que não seja a da alma. A vida do homem só é a alma, que impregna o corpo.
Posto que a vida está unida ao corpo, passa a ser a vida do homem. A vida é o fenômeno da alma.
A Bíblia considerou o corpo presente do homem como um «corpo anímico» (1 Co. 15:44 original), porque a vida do corpo que temos agora é a da alma. assim, a vida do homem é simplesmente uma expressão da composição de suas energias mentais, emocionais e volitivas. No mundo natural a «personalidade» abrange estas diferentes partes da alma, mas nada mais. A vida da alma é a vida natural do homem.
Reconhecer que a alma é a vida do homem é um fato muito importante porque tem muito a ver com o tipo de cristãos que chegaremos a ser: espirituais ou anímicos. Isto o explicaremos mais à frente.

A alma e o eu do homem

Dado que vimos que a alma é a sede de nossa personalidade, o órgão da vontade e a vida natural, podemos deduzir facilmente que esta alma é também o «autêntico eu», o eu mesmo. Nosso eu é a alma. Isto também se pode demonstrar com a Bíblia. Em Números 30, a frase «atar-se» aparece dez vezes. No original é «atar sua alma». Isto nos leva a compreender que a alma é nosso próprio eu. Em muitas outras passagens da Bíblia encontramos a palavra «alma» traduzida por «eu».
Por exemplo:
«Nem neles vos contaminareis» (Lv. 11:43).
«Não vos contaminareis» (Lv. 11:44).
«Por si e pela sua descendência» (Et. 9:31).
«Oh tu, que te despedaças na tua ira» (Jó 18:4).
«justificava a si mesmo» (Jó 32:2).
«Mas eles mesmos caem cativos» (Is. 46:2).
«O que todos (original, "toda alma") devam comer, isso só o pode preparar você» (Êx. 12:16).
«Quem mata a alguma pessoa (original, "alguma alma") sem intenção» (Nm. 35:11,15).
«Me deixem (original, "deixem a minha alma") morrer a morte dos justos» (Nm. 23:10).
«Quando qualquer (original, "qualquer alma") leve uma oferenda de cereais» (Lv. 2:1).
«Hei-me... tranqüilizado» (Sl. 131:2).
«Não pensem que no palácio do rei vão (original, "sua alma vai") escapar» (Et. 4:13).
«O Senhor Deus jurou por Ele mesmo» (original, "jurado por sua alma") (Am. 6:8).
Esses textos do Antigo Testamento nos dizem de diferentes maneiras que a alma é o próprio eu do homem.
O Novo Testamento nos transmite a mesma impressão. — «Almas», no original, traduziu-se por «oito pessoas» em 1 Pedro 3:20 e como «duzentas e setenta e seis pessoas» em Atos 27:37. A frase de Romanos 2:9, traduzida como «todo ser humano que faz o mal», no original é «toda alma de homem que faz o mal». Por isso, advertir à alma de um homem que faz o mal é advertir ao malvado. Em Tiago 5:20 se considera salvar uma alma como salvar a um pecador. E Lucas 12:19 fala das palavras de satisfação que o néscio rico dirigia a sua alma como se estivesse falando consigo. Assim, está claro que a Bíblia em conjunto contempla a alma do homem ou a vida da alma como o próprio homem.
Podemos encontrar uma confirmação disso nas palavras de nosso Senhor Jesus consignadas em dois diferentes Evangelhos.
Mateus 16:26 diz: «Pois que aproveita ao homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida (phyche)?» «Ou que dará um homem em troca de sua vida (phyche)?»
Enquanto que Lucas 9:25 o explica assim: «Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, e perder-se a si mesmo (eau-tonj)?»
Ambos os escritores do Evangelho deixam perseverança do mesmo, mas um usa «vida» (ou «alma») enquanto que o outro usa «ele mesmo». Isto significa que o Espírito Santo está utilizando Mateus para explicar o significado de «ele mesmo» em Lucas e a Lucas para explicar o significado de «vida» em Mateus. A alma ou a vida do homem no próprio homem, e vice-versa.
Este estudo nos permite deduzir que para sermos homem devemos possuir o que há na alma do homem.
Todo homem natural possui este elemento e que o contém, porque a alma é a vida comum compartilhada por todos os homens naturais. Antes da regeneração, tudo o que forma parte da vida — seja o eu, a vida, a força, o poder, a decisão, o pensamento, a opinião, o amor, o sentimento — pertence à alma. Em outras palavras, a vida da alma é a vida que um homem herda ao nascer. Tudo o que esta vida possui e tudo o que possa chegar a ser se encontra no reino da alma. Se reconhecermos claramente o que é anímico, então nos será mais fácil reconhecer mais adiante o que é espiritual. Será possível separar o espiritual do anímico.

3. A queda do homem

O homem que Deus formou era notavelmente diferente de todos outros seres criados. O homem possuía um espírito similar ao dos anjos e ao mesmo tempo tinha uma alma parecida com a dos animais inferiores.
Quando Deus criou o homem, lhe deu uma liberdade total. Não fez do homem um autômato, controlado automaticamente pela vontade de Deus. Isto é evidente em Gênesis 2, quando Deus instruiu o homem original sobre qual fruta podia comer e qual não. O homem que Deus criou não era uma máquina dirigida por Deus, pelo contrário, tinha uma total liberdade de escolha. Se escolhia obedecer a Deus, podia fazê-lo, e se decidia rebelar-se contra Deus, também podia fazê-lo. O homem possuía uma soberania pela qual podia exercer sua vontade ao escolher entre obedecer ou desobedecer. Este ponto é muito importante, posto que devemos ver claramente que, em nossa vida espiritual, Deus jamais nos priva de nossa liberdade. Deus não levará a termo nada sem nossa colaboração ativa. Nem Deus, nem o demônio podem fazer nada através de nós sem antes ter obtido nosso consentimento, porque a vontade do homem é livre.
Originalmente, o espírito do homem era a parte mais nobre de todo seu ser, e a alma e o corpo lhe estavam sujeitos. Em condições normais, o espírito é como um amo, a alma é como um mordomo e o corpo é como um criado. O amo encarrega assuntos ao mordomo, que, por sua vez, ordena ao criado que os execute. O amo dá ordens ao mordomo em particular. O mordomo parece ser o dono de tudo, mas, na realidade, o dono de tudo é o amo.
Por desgraça, o homem caiu, foi derrotado e pecou, e em conseqüência se tergiversículou a ordem correta do espírito, da alma e do corpo.
Deus outorgou ao homem um poder soberano e concedeu numerosos dons à alma humana. Os mais proeminentes são o pensamento e a vontade, ou o intelecto e a intenção. O propósito original de Deus é que a alma humana receba e assimile a verdade e a substância da vida espiritual de Deus. Deus deu dons aos homens para que o homem pudesse receber o conhecimento e a vontade de Deus como deles. Se o espírito e a alma do homem tivessem mantido sua perfeição, sanidade e vigor, seu corpo teria sido capaz de manter-se sem mudança para sempre. Se tivesse decidido em sua vontade pegar e comer a fruta da vida, é indubitável que a própria vida de Deus teria entrado em seu espírito, teria impregnado sua alma, teria transformado todo seu homem interior e teria passado seu corpo à incorruptibilidade. Então teria estado literalmente de posse da vida eterna. Nestas circunstâncias, sua vida anímica se encheria por completo de vida espiritual e todo seu ser se teria transformado em algo espiritual. Contrariamente, se se inverter a ordem do espírito e da alma, o homem submerge nas trevas e o corpo humano não pode durar muito, mas sim logo se apodrece.
Sabemos que a alma do homem escolheu a árvore do conhecimento do bem e do mal em lugar da árvore da vida. Não obstante, não está claro que a vontade de Deus para Adão era que comesse a fruta da árvore da vida? Porque antes tinha proibido a Adão que comesse a fruta da árvore do bem e do mal e o advertiu que no dia que a comesse morreria (Gen. 2:17). Primeiro ordenou ao homem que comesse livremente de toda árvore do jardim, e propositalmente mencionou a árvore da vida no meio do jardim. Quem pode dizer que não é assim?
«A fruta do conhecimento do bem e do mal» eleva a alma humana e suprime o espírito. Deus não proibiu o homem que comesse desta fruta simplesmente para prová-lo. O proibiu porque sabia que, comendo desta fruta, a vida da alma do homem seria tão estimulada que a vida de seu espírito ficaria submersa. Isto significa que o homem perderia o autêntico conhecimento de Deus e em conseqüência estaria morto para Ele.
A proibição de Deus mostra o amor de Deus. O conhecimento do bem e do mal neste mundo é mau em si mesmo. Este conhecimento surge do intelecto da alma do homem. Incha a vida da alma e consequentemente rebaixa a vida do espírito até o ponto em que esta perde todo conhecimento de Deus, até o ponto que fica como morto.
Um grande número de servos de Deus vêem nesta árvore da vida, Deus oferecendo vida ao mundo em seu Filho, o Senhor Jesus. Esta é a vida eterna, a natureza de Deus, sua vida incriada. Por isso temos aqui duas árvores: a que produz vida espiritual, enquanto que a outra gera vida anímica.
Em seu estado original, o homem não é nem pecador nem santo e justo. Encontra-se entre os dois. Pode aceitar a vida de Deus, convertendo-se assim em um homem espiritual e participante da natureza divina, ou pode encher sua vida criada até torná-la anímica, matando assim seu espírito.
Deus deu um equilíbrio perfeito às três partes do homem. Sempre que uma das partes se desenvolve muito, as outras sofrem.
Nossa experiência espiritual será muito beneficiada se compreendermos a origem da alma e seu princípio de vida.
Nosso espírito vem diretamente de Deus, posto que é um dom de Deus (Nm. 16:22). Nossa alma não tem esta procedência tão direta, foi produzida depois que o espírito entrou no corpo. Por isso está vinculada ao ser criado, de uma maneira característica. É a vida criada, a vida natural. O valor que tem a alma é realmente grande, se mantiver seu papel de mordomo e permitir que o espírito seja o amo. O homem pode então receber a vida de Deus e estar em conexão com o Deus da vida. Se, ao contrário, este mundo anímico se encher, conseqüentemente o espírito ficará reprimido. Todos os atos do homem ficarão limitados ao mundo natural do criado, incapaz de unir-se à vida sobrenatural e incriada de Deus. O homem original sucumbiu à morte porque comeu da fruta do conhecimento do bem e do mal, desenvolvendo assim, de maneira anormal, sua vida anímica.
Satanás tentou a Eva com uma pergunta. Sabia que sua pergunta estimularia o pensamento da mulher. Se Eva tivesse estado sob o completo controle do espírito teria rechaçado estas perguntas. Ao tentar responder, utilizou sua mente, em desobediência ao espírito. É indubitável que a pergunta de Satanás estava cheia de enganos, posto que seu motivo principal era simplesmente incitar a atividade mental da Eva. Seria de se esperar que Eva corrigisse a Satanás, mas, ai!, Eva se atreveu a trocar a Palavra de Deus em sua conversa com Satanás. Em conseqüência, o inimigo se encorajou e a tentou para que comesse, sugerindo-lhe que, ao comer, se lhes abririam os olhos e seria como Deus, conhecendo o bem e o mal. «Assim, quando a mulher viu que a árvore era boa para comer e que era uma delícia para os olhos, e que a árvore era desejável para ter sabedoria, tomou de seu fruto e comeu» (Gn. 3:6). Assim foi como Eva viu o assunto. Satanás provocou primeiro seu pensamento anímico e em seguida avançou até apoderar-se de sua vontade. O resultado: Eva caiu no pecado.
Satanás sempre utiliza a necessidade física como primeiro objetivo a atacar. Simplesmente fez menção a Eva do ato de comer a fruta, um assunto totalmente físico. A seguir tentou seduzir sua alma, dando-lhe a entender que, fazendo o que lhe dizia, se lhes abririam os olhos para conhecer o bem e o mal. Embora esta busca do conhecimento fosse totalmente legítima, sua consumação levou seu espírito a uma franca rebeldia contra Deus, porque tergiversículou a proibição de Deus, lhe atribuindo um propósito mau. A tentação de Satanás alcança primeiro o corpo, em seguida a alma e finalmente o espírito.
Depois de ter sido tentada, Eva deu sua opinião. Para começar, «a árvore era boa para comer». Isto é «concupiscência da carne». A carne da Eva foi a primeira a ser estimulada. Segundo, «era uma delícia para os Isto olhos é «a concupiscência dos olhos». Agora já estavam estimulados seu corpo e sua alma. Terceiro, «a árvore era desejável para dar sabedoria. Isto é «o orgulho da vida». Este desejo revelava a vacilação entre sua emoção e sua vontade. A agitação de sua alma era já incontrolável. Já não se mantinha à margem, como um espectador, mas sim tinha sido cutucada a desejar a fruta.
Que perigosa é uma emoção humana, quando é dona das circunstâncias!
Por que Eva desejou a fruta? Não foi simplesmente pela concupiscência da carne e a concupiscência dos olhos, mas sim também por sua incontida curiosidade pela sabedoria. Na busca de sabedoria e de conhecimento, inclusive do chamado «conhecimento espiritual», com freqüência se podem incentivar as atividades da alma.
Quando uma pessoa tenta aumentar seu conhecimento praticando ginástica mental com livros, sem esperar em Deus nem pedir a direção do Espírito Santo, é evidente que sua alma se encontrará em plena oscilação. Isso esgotará sua vida espiritual. Como a queda do homem foi ocasionada pela busca de conhecimento, Deus utiliza a «insensatez da cruz» para «destruir a sabedoria dos sábios». O intelecto foi a causa principal da queda; por isso, para salvar-se, terá que acreditar na loucura da Palavra da cruz, em lugar de depender do intelecto. A árvore do conhecimento fez que o homem caísse, e por isso Deus emprega o «madeiro da loucura» (1 P. 2:24) para salvar almas. «Se algum entre vós se julga sábio neste tempo, que se torne ignorante para poder ser sábio. Porque a sabedoria deste mundo é insensatez para Deus» (1 Co. 3:18-20; ver também 1:18-25).
Tendo repassado cuidadosamente o relato da queda do homem, podemos ver que, ao rebelar-se contra Deus, Adão e Eva desenvolveram suas almas até o extremo de deslocar seus espíritos e submergir-se nas trevas. As partes proeminentes da alma são a mente, a vontade e a emoção do homem. A vontade é o órgão da decisão e em conseqüência o dono do homem. A mente é o órgão do pensamento, enquanto que a emoção é o do afeto. O apóstolo Paulo nos diz que «Adão não foi enganado», indicando que a mente de Adão não estava em confusão naquele dia fatídico. Quem fraquejou em sua mente foi Eva: «a mulher foi enganada e pecou» (1 Tm. 2:14). Segundo o relato de Gênesis, está escrito que «a mulher disse: «A serpente me enganou e comi» (Gn. 3:13). Mas «o homem disse: «A mulher me deu (não me enganou) a fruta da árvore e comi» (Gn. 3:12). É evidente que Adão não foi enganado. Sua mente estava limpa e sabia que a fruta era da árvore proibida. Comeu por causa de seu efeito pela mulher. Adão compreendeu que o que havia dito a serpente não era nada mais que o engano do inimigo. Das palavras do apóstolo vemos que Adão pecou deliberadamente. Amava a Eva mais que a si mesmo. Fê-la seu ídolo e por ela foi capaz de rebelar-se contra a ordem de seu Criador. Que lástima que sua emoção dominasse a sua mente! Seu efeito superou a sua razão.
Por que os homens «não acreditaram na verdade»? Porque «sentiram prazer na injustiça» (2 Ts. 2:12). Não é que a verdade não seja razoável mas sim que não a amam. Por isso quando alguém verdadeiramente vai ao Senhor, crê com o coração (não com a mente) ele é justificado» (Rm. 10:10).
Satanás levou Adão a pecar apoderando-se de sua vontade, através de sua emoção, enquanto que tentou a Eva a que pecasse dominando sua vontade pelo caminho de uma mente obscurecida. Quando a vontade e a mente e a emoção do homem foram envenenadas pela serpente e o homem seguiu a Satanás em lugar de seguir a Deus, seu espírito, que podia ter comunhão íntima com Deus, recebeu um golpe mortal. Aqui podemos ver a lei que governa a obra de Satanás. Usa as coisas da carne (comer fruta) para atrair a alma do homem para o pecado. Assim que a alma peca, o espírito fica consumido em uma escuridão absoluta. A ordem de seu método sempre é o mesmo: de fora para dentro. Se não começar pelo corpo, então começa trabalhando com a mente ou a emoção para apoderar-se da vontade do homem. No momento em que o homem cede diante de Satanás, este possui todo o ser do homem e mata o espírito.
Mas não é assim com a obra de Deus: Deus sempre trabalha de dentro para fora. Deus começa trabalhando com o espírito do homem e prossegue iluminando sua mente, estimulando sua emoção e o levando a exercer sua vontade sobre seu corpo, para cumprir a vontade de Deus.
Toda obra satânica se realiza de fora para dentro e toda obra divina se realiza de dentro para fora. Nisto podemos distinguir o que vem de Deus e o que vem de Satanás. Tudo isto nos ensina, além disso, que, uma vez que Satanás se apodera da vontade do homem, controla esse homem.
Devemos ter em mente que a alma é onde o homem expressa sua livre vontade e exerce sua autoridade. Por isso a Bíblia freqüentemente deixa claro de que é a alma a que peca. Por exemplo, Miquéias 6:7 diz «o pecado de minha alma». Ezequiel 18:4, 20 diz «a alma que peca». E nos livros Levitico e Números se menciona freqüentemente que a alma peca. Por que? Porque é a alma que decide pecar. Nossa descrição do pecado é: «A vontade de seu consentimento na tentação.»
Pecar é coisa da vontade da alma e em conseqüência deve haver uma expiação pela alma.
«Dêem oferenda ao Senhor para fazer expiação por suas almas» (Êx. 30:15).
«Porque a vida da carne está no sangue, e lhe dei isso sobre o altar para fazer expiação por suas almas, porque é o sangue que faz expiação pela alma» (Lv. 17:11).
«Para fazer expiação por nossas almas diante de Jehová» (Nm. 31:50).
Como é a alma que peca, depreende-se que a alma é a que tem que receber expiação. E além disso a expiação deve proceder de uma alma:
«Foi da vontade do Senhor esmagá-lo, fazendo-o enfermar... fará a sua alma uma oferta pelo pecado... Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito... derramou sua alma até a morte... e levou sobre si o pecado de muitos, e pelos transgressores intercedeu». (Is. 53:10-12).
Ao examinar a natureza do pecado do Adão, descobrimos que, além da rebelião, também há um certo tipo de independência. Aqui não devemos perder de vista o livre-arbítrio. Por um lado a árvore da vida implica um sentido de dependência. Naquele tempo o homem não possuía a natureza de Deus, mas se tivesse participado da fruta da árvore da vida teria obtido a vida de Deus e o homem teria podido alcançar seu ápice: possuir a mesma vida de Deus. Isto é dependência. Por outro lado, a árvore do conhecimento do bem e do mal sugere independência, porque o homem procurou por meio do exercício de sua vontade, obter o conhecimento que não lhe tinha sido prometido, algo que Deus não lhe tinha concedido. Sua rebelião declarava sua independência. Rebelando-se, não tinha que depender de Deus. Além disso, sua busca do conhecimento do bem e do mal também mostrava sua independência, porque não estava satisfeito com o que Deus já lhe tinha concedido. A diferença entre o espiritual e o anímico é clara como o cristal. O espiritual depende totalmente de Deus, está plenamente satisfeito com o que Deus dá. O anímico evita qualquer contato com Deus e ambiciona o que Deus não concedeu, em especial «o conhecimento». A independência é uma marca especial do anímico. Isto — não importa quão bom seja, inclusive quando adora a Deus — é indubitavelmente costume da alma não requerer uma confiança completa em Deus e, em troca, exige dependência da própria força. A árvore da vida não pode crescer dentro de nós junto com a árvore do conhecimento. A rebelião e a independência explicam todo pecado cometido tanto pelos pecadores como pelos santos.

O espírito, a alma e o corpo depois da queda

Adão vivia pelo fôlego de vida que se fez espírito nele. Por meio do espírito, recebia Deus, conhecia a voz de Deus e tinha comunhão íntima com Deus. Era profundamente consciente de Deus. Mas, depois da queda, seu espírito morreu.
Quando Deus falou com Adão, antes de mais nada lhe disse: «o dia em que dela comer (a fruta da árvore do bem e do mal) morrerá» (Gn. 2:17). Mesmo assim, Adão e Eva viveram centenas de anos depois de ter comido a fruta proibida. Evidentemente, isto indica que a morte que Deus tinha anunciado não era física. A morte de Adão começou em seu espírito.
O que é realmente a morte? Segundo a definição científica, a morte é «o afastamento da comunicação com o meio ambiente». A morte do espírito é o afastamento de sua comunicação com Deus.
A morte do corpo é a interrupção da comunicação entre o espírito e o corpo. Assim, quando dizemos que o espírito está morto, não implica que já não haja espírito. Só queremos dizer que o espírito perdeu sua sensibilidade para Deus e por isso está morto para Ele. A situação exata é que o espírito está incapacitado, é incapaz de ter comunhão íntima com Deus. Exemplificando: Uma pessoa muda tem boca e pulmões, mas há algo que falta em suas cordas vocais que o impede de falar. No que se refere à linguagem humana, sua boca pode ser considerada morta. De igual maneira, o espírito de Adão morreu por causa de sua desobediência a Deus. Ainda tinha seu espírito, mas estava morto para Deus porque tinha perdido seu instinto espiritual. E continua sendo assim. O pecado destruiu o profundo conhecimento intuitivo que o espírito tinha de Deus e tem feito o homem espiritualmente morto. Pode ser religioso, moral, erudito, capaz, forte e sábio, mas está morto para Deus. Inclusive pode falar de Deus, raciocinar a respeito de Deus e pregar sobre Deus, mas continua estando morto para Ele. O homem não pode ouvir ou perceber a voz do Espírito de Deus. Em conseqüência, Deus, no Novo Testamento, chama freqüentemente mortos aos que estão vivos na carne.
A morte que começou no espírito de nosso antepassado se estendeu gradualmente até alcançar seu corpo. Embora vivesse muitos anos depois de seu espírito ter morrido, mesmo assim a morte trabalhou sem cessar nele até que morreram seu espírito, sua alma e seu corpo. Seu corpo, que poderia ter sido transformado e glorificado, em vez disso voltou para o pó. Como seu homem interior tinha caído no caos, seu homem exterior devia morrer e ser destruído. Após o que, o espírito de Adão (assim como o espírito de todos seus descendentes) caiu sob a opressão da alma, e, pouco a pouco, se fundiu com a alma e as duas partes ficaram fortemente unidas. O escritor de Hebreus afirma em 4:12 que a Palavra de Deus transpassará e separará a alma e o espírito. A separação é necessária porque o espírito e a alma se tornaram um. Enquanto estão intimamente unidos, submergem o homem em um mundo físico. Tudo se faz seguindo os ditados do intelecto ou do sentimento. O espírito perdeu seu poder e sua sensibilidade, como se estivesse totalmente adormecido. O instinto que ainda tenha para conhecer e servir a Deus está completamente paralisado. Permanece em coma, como se não existisse. É a isto que se refere Judas 19 quando diz «natural, sem espírito» (literal).* Claro está que isto não significa que o espírito humano deixe de existir, porque Números 16:22 afirma claramente que Deus é «o Deus dos espíritos de toda carne». Todo ser humano continua possuindo um espírito, embora esteja obscurecido pelo pecado e impotente para ter comunhão com Deus.
Embora este espírito esteja morto para Deus, pode permanecer tão ativo como a mente ou o corpo. Deus o considera morto, mas ainda é muito ativo em outros aspectos. Em algumas ocasiões, o espírito de um homem caído pode inclusive ser mais forte que sua alma ou seu corpo, e pode conseguir o domínio sobre todo o ser. Estas pessoas são «espirituais», da mesma maneira que a maioria das pessoas são anímicas ou físicas em sua major parte porque seus espíritos são maiores que os das outras pessoas. Estes são as bruxas e os feiticeiros. É certo que mantêm contato com o mundo espiritual, mas o fazem por meio de espíritos diabólicos, não pelo Espírito Santo. Deste modo, o espírito do homem caído se alia com Satanás e seus espíritos diabólicos. Está morto para Deus, mas certamente muito vivo para Satanás e segue aos espíritos diabólicos que trabalham nele.
Ao ceder às exigências de suas paixões e desejos carnais, a alma se converteu em escrava do corpo, de maneira que o Espírito Santo não tem oportunidades para lutar com o objetivo de recuperá-la para Deus. Por isso a Bíblia afirma: «O meu Espírito não permanecerá para sempre no homem, porquanto ele é carne» (Gn. 6:3). A Bíblia diz da carne que é a combinação da alma não regenerada e da vida física, embora a maioria das vezes assinale o pecado que está na carne. Uma vez que o homem está sob o domínio da carne, não tem nenhuma possibilidade de libertar-se. A alma substituiu à autoridade do espírito. Tudo se faz independentemente e segundo os ditados de sua mente. Inclusive em assuntos religiosos, na mais apaixonada busca de Deus, tudo se leva a cabo com a força e a vontade da alma do homem, carente da revelação do Espírito Santo. A alma não é simplesmente independente do espírito, mas, além disso, está sob o controle do corpo. Lhe pede que obedeça, que execute e que satisfaça os desejos carnais, as paixões e as demandas do corpo. Assim, todo filho de Adão não só está morto em seu espírito, mas sim também é «da terra, um homem do pó» (1 Co. 15:47).
Os homens caídos estão sob o domínio total da carne, atuando em resposta aos desejos de sua vida anímica e de suas paixões físicas. São incapazes de ter comunhão íntima com Deus. Às vezes desenvolvem seu intelecto, em outras ocasiões sua paixão, mas o mais freqüente é que desenvolvam tanto seu intelecto como sua paixão. Sem empecilhos, a carne controla firmemente o homem todo.
Isto é o que se expõe no Judas 18 e 19: «escarnecedores, andando segundo as suas ímpias concupiscências.. Estes são os que causam divisões; são sensuais, e não têm o Espírito.». Ser anímico é contrário a ser espiritual. O espírito, nossa parte mais nobre, a parte que pode unir-se a Deus e que deveria governar a alma e o corpo, agora está sob o domínio da alma, essa parte de nós que é mundana em seus motivos e em suas metas. O espírito foi destituído de sua posição original. A condição atual do homem é anormal. Por isso é descrito como se não tivesse espírito. O resultado de ser anímico é tornar-se escarnecedor, perseguir paixões ímpias e criar divisões.
1 Coríntios 2:14 fala destas pessoas não regeneradas da seguinte maneira: «O homem natural (anímico) não recebe os dons espirituais de Deus porque para ele são loucura, e não pode compreendê-los porque se discernem espiritualmente.» Estes homens se encontram sob o controle de suas almas e com seus espíritos reprimidos contrastam totalmente com as pessoas espirituais. Podem ser portentosamente inteligentes, capazes de apresentar idéias e teorias com autoridade, mas não admitem as coisas do Espírito de Deus. Não estão capacitados para receber a revelação do Espírito Santo. Esta revelação é absolutamente diferente das idéias humanas. Os homens podem pensar que o intelecto e o raciocínio humanos são todo-poderosos, que o cérebro pode compreender todas as verdades do mundo, mas o veredicto da Palavra de Deus é: «vaidade de vaidades».
Enquanto o homem está em seu estado anímico freqüentemente percebe a insegurança desta vida e em conseqüência busca a vida eterna do mundo vindouro. Mas, se o faz, continua sem poder desvelar a Palavra de vida com seus muitos raciocínios e teorias. Quão pouco dignos de confiança são os raciocínios humanos!
Com freqüência observamos como pessoas muito inteligentes se chocam em suas diferentes opiniões. As teorias conduzem o homem facilmente  ao engano. São castelos no ar que o afundam na escuridão eterna.
Quão certo é que, sem a direção do Espírito Santo, o intelecto não somente é pouco confiável, mas  também é extremamente perigoso, porque freqüentemente confunde o bom e o mau. Um ligeiro descuido pode provocar, não simplesmente uma perda temporária, mas inclusive um dano eterno. A mente obscurecida do homem freqüentemente o leva à morte eterna. Se as almas não regeneradas pudessem ver isso, que bom seria!
No entanto o homem carnal pode controlar outra coisa além da alma: também pode estar sob a direção do corpo, porque a alma e o corpo estão fortemente entrelaçados. Como o corpo do pecado abunda em desejos e paixões, o homem pode cometer os pecados mais espantosos. O corpo vem  do pó e por isso sua tendência natural é para a terra. A introdução do veneno da serpente no corpo do homem converte todos seus desejos legítimos em desejos carnais. Uma vez que a alma cedeu diante do corpo, ao desobedecer a Deus, encontra-se obrigada a ceder sempre. Os baixos desejos do corpo podem desse modo expressar-se através da alma. O poder do corpo se torna tão entristecedor que a alma não pode fazer outra coisa que converter-se em uma escrava obediente.
O plano de Deus para o espírito era que tivesse a preeminência, que governasse nossa alma. Mas uma vez que o homem se torna carnal, seu espírito fica escravizado à alma. A degradação aumenta quando o homem se torna «corporal» (do corpo), porque o corpo, que é mais baixo, sobe até ser o soberano.
Então o homem desceu do «controle do espírito» ao «controle da alma», e do «controle da alma» ao «controle do corpo». Cada vez se afunda mais e mais. Que lamentável é quando a carne consegue o domínio.
O pecado deu morte ao espírito: por isso a morte espiritual alcança a todos, porque todos estão mortos em pecados e transgressões. O pecado tornou a alma independente: em conseqüência a vida anímica não é mais que uma vida egoísta e obstinada. Finalmente o pecado deu plenos poderes ao corpo: por conseguinte, a natureza pecadora reina por meio do corpo.

4. A salvação

O julgamento do Calvário

A morte entrou no mundo por meio da queda do homem. Aqui se faz referência à morte espiritual que separa o homem de Deus. Entrou por meio do pecado no princípio e continuou fazendo-o desde então. A morte sempre chega através do pecado. Notemos o que nos diz Romanos 5:12 sobre este assunto. Em primeiro lugar, que «o pecado entrou no mundo por meio de um homem». Adão pecou e introduziu o pecado no mundo. Segundo, que «a morte (entrou no mundo) através do pecado». A morte é o resultado invariável do pecado. E, finalmente, que como conseqüência «a morte se estendeu a todos os homens porque todos os homens pecaram». A morte não «se estendeu a» ou «passou aos homens simplesmente, mas sim literalmente «passou para todos os homens». A morte impregnou o espírito, o alma e o corpo de todos os homens. Não há nenhuma parte de um ser humano pela que não tenha passado.
Por isso é indispensável que o homem receba a vida de Deus. A salvação não pode chegar por uma reforma humana porque «a morte» é irreparável. O pecado tem que ser julgado antes de que possa haver resgate da morte para os homens. Isto é exatamente o que tem feito a salvação do Senhor Jesus.
O homem que peca deve morrer. Isto está anunciado na Bíblia. Nenhum animal nem nenhum anjo podem sofrer o castigo do pecado em lugar do homem. É a natureza do homem a que peca, por isso é o homem que deve morrer. Só o humano pode expiar pelo humano. Mas como o pecado está em sua humanidade, a morte do homem não pode expiar por seu próprio pecado. O Senhor Jesus veio e assumiu a natureza do homem, para poder ser julgado em lugar da humanidade. Não corrompida pelo  pecado, sua santa natureza humana pôde deste modo expiar pela humanidade pecadora por meio da morte. Morreu como substituto, sofreu todo o castigo do pecado e ofereceu sua vida como resgate por muitos. Como conseqüência, todo aquele que crê nEle já não será julgado (Jo. 5:24).
Quando o Verbo se fez carne, levava em si toda carne. Assim como a ação de um homem, Adão, representa a ação de toda a humanidade, a obra de um homem, Cristo, representa a obra de todos. Temos que ver quão completa é a obra de Cristo antes de poder compreender o que é a redenção. Por que o pecado de um homem, Adão, é julgado como o pecado de todos os homens passados e presentes? Adão é o cabeça da humanidade da qual vieram ao mundo todos os demais homens. De uma forma similar, a obediência de um homem, Cristo, faz-se justiça de muitos, passados e presentes, posto que Cristo constitui o cabeça de uma nova humanidade, originada por um novo nascimento.
Hebreus 7 pode ilustrar este ponto. Para demonstrar que o sacerdócio de Melquisedeque é maior que o sacerdócio do Levi, o escritor recorda a seus leitores que uma vez Abraão ofereceu dízimo a Melquisedeque e recebeu uma bênção dele e por isso se conclui que a bênção e a oferenda do dízimo de Abraão eram de Levi. Como? Porque ele (Levi) ainda estava nos lombos de seu antepassado (Abraão) quando Melquisedeque o conheceu» (v. 10). Sabemos que Abraão engendrou a Isaac, Isaac a Jacob e Jacob a Levi. Levi era o bisneto do Abraão. Quando Abraão ofereceu o dízimo e recebeu uma bênção, Levi ainda não tinha nascido, nem sequer seu pai nem seu avô. Não obstante, a Bíblia considera que o dízimo e a bênção são de Levi. Posto que Abraão é inferior o Melquisedeque, Levi também é de menor importância que Melquisedeque. Este fato pode ajudar-nos a compreender por que se interpreta o pecado de Adão como pecado de todos os homens e por que se considera a sentença feita sobre Cristo como sentença sobre todos. É simplesmente porque, quando Adão pecou, todos os homens estavam em seus lombos. Da mesma maneira, quando Cristo foi julgado, todos os que serão regenerados estavam presentes em Cristo. Por isso se considera a sentença de Cristo como a sentença deles, e todos os que creram em Cristo já não serão julgados.
Como a humanidade tem que ser julgada, o Filho de Deus — o homem Jesus Cristo — sofreu em seu espírito, alma e corpo sobre a cruz pelos pecados do mundo.
Examinemos primeiro seus sofrimentos físicos. O homem peca por meio de seu corpo, e neste desfruta do prazer temporário do pecado. Em conseqüência, o corpo tem que ser o destinatário do castigo. Quem pode sondar os sofrimentos físicos do Senhor Jesus na cruz? Acaso os sofrimentos de Cristo no corpo não estão claramente preditos nos textos messiânicos? «Transpassaram-me as mãos e os pés» (Sl. 22:16). O profeta Zacarias chamou a atenção sobre «o que foi transpassado» (12:10). Suas mãos, seus pés, sua testa, seu flanco, seu coração, todos foram transpassados pelos homens, transpassados pela humanidade pecadora e transpassados para a humanidade pecadora. Muitas foram suas feridas e muito lhe subiu a febre, porque com o peso de todo seu corpo pendurando na cruz sem nenhum apoio, seu sangue não podia circular livremente. Passou muita sede e por isso gritou: «A língua se me pega ao paladar.»  «Como tinha sede me deram vinagre para beber» (Sl. 22:15; 69:21). As mãos têm que ser cravadas porque vão atrás do pecado. A boca tem que sofrer porque sente prazer em pecar. Os pés têm que ser transpassados porque pecam à vontade. A testa tem que ser coroada com uma coroa de espinhos porque também quer pecar. Tudo o que o corpo humano tinha que sofrer se cumpriu em Seu corpo. Desta maneira sofreu fisicamente até a morte.
Estava em sua mão livrar-se destes sofrimentos, mas voluntariamente ofereceu seu corpo para suportar todas as insondáveis provações e dores sem acovardar-se nem um momento até que soube que «tudo estava consumado» (Jo. 19:28). Só então entregou seu espírito.
Não só seu corpo; sua alma também sofreu. A alma é o órgão da própria consciência. Antes de ser crucificado, deram a Cristo vinho misturado com mirra como calmante para mitigar a dor, mas Ele o rejeitou porque não estava disposto a aceitar nenhum sedativo mas sim a estar plenamente consciente do sofrimento. As almas humanas desfrutaram plenamente do prazer dos pecados; por conseguinte, Jesus ia suportar em sua alma a dor destes pecados. Preferiu beber a taça que Deus lhe deu do que a taça que anestesiaria sua consciência.
Que vergonhoso era o castigo da cruz! utilizava-se para executar os escravos fugidos. Um escravo não tinha propriedades nem direitos. Seu corpo pertencia a seu dono, e por conseguinte podia ser castigado com a cruz mais vergonhosa. O Senhor Jesus tomou o lugar de um escravo e foi crucificado.
Isaías o chamou «o servo», e Paulo disse que tomou a forma de um escravo. Sim, veio como um escravo para nos resgatar aos que estávamos sob a escravidão perpétua do pecado e de Satanás. Fomos escravos da paixão, do temperamento, dos costumes e do mundo. Estivemos a mercê do pecado. No entanto, Ele morreu por nossa escravidão e carregou com todo nosso opróbrio.
A Bíblia traz o relato de que os soldados ficaram a roupa do Senhor Jesus (Jo. 19:23). Estava quase nu quando o crucificaram. Esta é uma das vergonhas da cruz. O pecado nos tira nossa veste radiante e nos deixa nus. Nosso Senhor foi despido diante de Pilatos e logo depois de novo no Calvário. Como reagiu sua santa alma diante de semelhante mau trato? Acaso não era um insulto à santidade de sua personalidade e uma vergonha? Quem pode sondar seus sentimentos naquele trágico momento? Como todos os homens tinham desfrutado da glória aparente do pecado, o Salvador tinha que suportar a autêntica vergonha do pecado. «Verdadeiramente (Deus) cobriste-o de vergonha.... com que os teus inimigos, ó Senhor, têm difamado os passos do teu ungido.»; e até «suportou a cruz, desprezando a vergonha» (Sl. 89:45, 51; At. 12:2).
Ninguém poderá jamais constatar o muito que sofreu a alma do Salvador na cruz. Contemplamos frequentemente seus sofrimentos físicos, mas passamos por cima dos sentimentos de sua alma. Uma semana antes da Páscoa o ouviram dizer: «Agora a minha alma está perturbada» (Jo. 12:27). Isto assinala a cruz. No Jardim do Getsêmani o ouviram de novo dizer: «A minha alma está triste até a morte» (Mt. 26:38). Se não fosse por estas palavras quase não poderíamos pensar que sua alma tinha sofrido.
Isaías 53 menciona três vezes que sua alma foi oferecida pelo pecado, que sua alma sofreu e que derramou sua alma até a morte (vs. 10-12). Pois que Jesus suportou a maldição e a vergonha da cruz, quem crê nele já não será maldito nem envergonhado.
Seu espírito também sofreu terrivelmente. O espírito é a parte do homem que o equipa para comunicar-se intimamente com Deus. O Filho de Deus era santo, inocente, imaculado, separado do pecado. Seu espírito estava unido ao Espírito Santo em perfeita unidade. Nunca teve seu espírito um momento de perturbação nem de dúvida, porque sempre teve a presença de Deus com Ele. Jesus disse: «Não sou eu só, mas eu e o Pai que me enviou... E aquele que me enviou está comigo» (Jo. 8:16, 29). Por isso pôde orar: «Pai, graças te dou, porque me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves» (Jo. 11:41,42).
Enquanto pendurado na cruz — e se houve algum dia que o Filho de Deus necessitasse desesperadamente da presença de Deus deve ter sido esse dia — gritou: «meu Deus, Meu Deus, por que me desamparaste?» (Mt. 27:46). Seu espírito estava separado de Deus. Quão intensamente sentiu a solidão, o abandono, a separação! O Filho ainda estava cedendo, o Filho ainda estava obedecendo a vontade de Deus-Pai; sem dúvida, o Filho tinha sido abandonado: não por causa dEle, mas sim por causa de outros.
O pecado afeta muito profundamente o espírito e, por conseguinte, embora o Filho de Deus fosse santo, tinha que ser separado do Pai porque levava o pecado de outros. É certo que nos incontáveis dias da eternidade «eu e o Pai somos um» (Jo. 10:30). Inclusive durante sua estada na Terra continuou sendo assim, porque sua humanidade não podia ser uma causa de separação de Deus.
Só o pecado podia separá-los, embora esse pecado fosse de outros. Jesus sofreu esta separação espiritual por nós para que nosso espírito pudesse voltar para Deus.
Ao contemplar a morte de Lázaro, possivelmente Jesus estava pensando em sua própria morte próxima e por isso «estava profundamente comovido em espírito e preocupado» (Jo. 11:33). Ao anunciar que seria traído e que morreria na cruz estava outra vez «inquieto em espírito» (Jo. 13:21). Isto nos explica porque, quando recebeu a sentença de Deus no Calvário, gritou: «meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» Porque: «Penso em Deus, e gemo; medito, e meu espírito se deprime» (Mt. 27:46, citando os Sl. 22:1; Sl. 77:3). Foi privado do poderoso fortalecimento do Espírito Santo em seu espírito (Ef. 3:16) porque seu espírito havia sido arrancado do Espírito de Deus. Por isso suspirou: «Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas. A minha força secou-se como um caco e a língua se me pega ao paladar; tu me puseste no pó da morte.» (Sl. 22:14,15).
Por um lado, o Espírito Santo de Deus o abandonou. Por outro, o espírito diabólico de Satanás o ridicularizou. Parece que o Salmo 22:11-13 se refere a esta fase: «Não te alongues de mim, pois a angústia está perto, e não há quem acuda. Muitos touros me cercam; fortes touros de Basã me rodeiam. Abrem contra mim sua boca, como um leão que despedaça e que ruge..»
Por um lado seu espírito suportou o abandono de Deus e por outro, resistiu ao escárnio do espírito diabólico. O espírito do homem se separou tanto de Deus, exaltando-se a si mesmo e seguindo o espírito diabólico, que o espírito do homem tem que ser quebrantado de tudo para que não possa continuar opondo-se a Deus e estando aliado com o inimigo. O Senhor Jesus se fez pecado por nós na cruz. Sua santa humanidade interior foi completamente aniquilada ao julgar Deus à humanidade ímpia. Abandonado Por Deus, Cristo sofreu, pois, a mais amarga dor do pecado, suportando na escuridão a ira castigadora de Deus sobre o pecado sem o apoio do amor de Deus ou a luz de seu rosto. Ser abandonado por Deus é a conseqüência do pecado.
Agora nossa humanidade pecadora foi julgada totalmente porque foi julgada na humanidade sem pecado do Senhor Jesus. Nele, a humanidade santa conquistou sua vitória. Toda sentença sobre o corpo, a alma e o espírito dos pecadores foi lançada sobre Ele. Ele é nosso representante. Por fé estamos unidos a Ele. Sua morte é considerada como nossa morte, e sua sentença como nossa sentença. Nosso espírito, alma e corpo foram julgados e castigados nele. Seria o mesmo que se tivéssemos sido castigados em pessoa.
«assim, agora não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus» (Rm. 8:1).
Isto é o que Ele tem feito por nós e esta é agora nossa posição diante de Deus.
«Porque o que morreu está livre do pecado» (Rm. 6:7).
Nossa posição real é de que já morremos no Senhor Jesus, e agora só falta que o Espírito Santo transporte este fato para nossa experiência. A cruz é onde o pecador — seu espírito, alma e corpo — é julgado. É por meio da morte e da ressurreição do Senhor que o Espírito Santo de Deus pode nos transmitir a natureza de Deus. A cruz ostenta o julgamento do pecador, proclama a ausência de valor do pecador, crucifica o pecador e proporciona a vida do Senhor Jesus. Desde então, qualquer que aceitar a cruz nascerá de novo pelo Espírito Santo e receberá a vida do Senhor Jesus.

A regeneração

O conceito de regeneração conforme o encontramos na Bíblia fala do processo de passar da morte para a vida. O espírito de um homem antes da regeneração está afastado de Deus e é considerado morto, porque a morte é a dissociação da vida e de Deus, que é a fonte da vida. Em conseqüência, a morte é a separação de Deus. O espírito do homem está morto e por conseguinte é incapaz de ter comunhão íntima com Ele. Ou sua alma o controla e o submerge em uma vida de idéias e imaginações, ou os desejos carnais e os costumes de seu corpo o estimulam e reduzem a sua alma à escravidão.
O espírito do homem tem que ser avivado porque nasceu morto. O novo nascimento de que falou o Senhor Jesus com Nicodemos é o novo nascimento do espírito. É obvio que não é um nascimento físico como acreditava Nicodemos, nem tampouco anímico. Devemos nos fixar cuidadosamente em que o novo nascimento transmite a vida de Deus ao espírito do homem. Posto que Cristo expiou por nossa alma e destruiu o princípio da carne, os que estamos unidos a Ele participamos de sua vida de ressurreição. Fomos unidos a Ele em sua morte; por conseguinte, é em nosso espírito onde colhemos primeiro o cumprimento de sua vida de ressurreição. O novo  nascimento é algo que acontece totalmente no espírito: não tem nenhuma relação com a alma ou o corpo.
O que faz que o homem seja único na criação de Deus não é que possui uma alma, mas sim que tem um espírito que, unido à alma, constitui o homem. Esta união faz do homem um ser extraordinário no universículo. A alma do homem não está relacionada diretamente com Deus. Segundo a Bíblia é seu espírito que tem relação com Deus. Deus é Espírito, e em conseqüência todos os que o adoram devem adorá-lo em espírito. Só o espírito pode ter comunicação íntima com Deus. Só o espírito pode adorar ao Espírito. Por isso encontramos na Bíblia frases como:
«servindo com meu espírito» (Rm. 1:9; 7:6; 12:11);
«conhecendo por meio do espírito» (1 Co. 2:9-12);
«adorando em espírito» (Jo. 4:23, 24);
«recebendo em espírito a revelação de Deus» (Ap. 1:10; 1 Co. 2:10).
Em vista deste fato, recordemos que Deus decretou que tratará com o homem unicamente por meio de seu espírito e que terá que levar a cabo seus conselhos por meio do espírito do homem. Se assim tem que ser, que necessário é para o espírito do homem continuar em constante e viva união com Deus, sem cair nem por um momento na desobediência às leis divinas, seguindo os sentimentos, desejos e ideais da alma externa. Do contrário, se imporá a morte de modo imediato, e o espírito será privado de sua união com a vida de Deus. Isto não significa que o homem já não tenha um espírito. Simplesmente quer dizer, como já indicamos anteriormente, que o espírito renuncia a sua elevada posição em favor da alma. Sempre que o homem interior de uma pessoa presta atenção aos ditados do homem exterior, perde contato com Deus e se torna espiritualmente morto. «Estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais outrora andastes» ao «fazendo a vontade da carne e dos pensamentos» (Ef. 2:1-3).
A vida de uma pessoa não regenerada está quase por inteira governada pela alma. Pode estar vivendo com temor, curiosidade, alegria, orgulho, piedade, prazer, delícia, estranheza, vergonha, amor, arrependimento, gozo. Ou pode estar cheia de ideais, imaginações, superstições, dúvidas, suposições, interrogações, induções, deduções, análise, introspecções. Ou pode ser impulsionada — pelo desejo de poder, reconhecimento social, riqueza, liberdade, posição, fama, glória, conhecimento — a tomar decisões atrevidas, a entrar pessoalmente em compromissos, a expressar opiniões obstinadas, ou inclusive a resistir a testes pacientemente. Todas estas coisas e outras similares são simplesmente manifestações das três principais funções da alma, que são a emoção, a mente e a vontade. Acaso a vida não se compõe predominantemente destas coisas? Mas nunca poderão levar à regeneração. Fazer penitência, sentir-se aflito pelo pecado, derramar lágrimas, inclusive fazer votos, não leva à salvação. A confissão, a decisão e muitos outros atos religiosos nunca podem nem têm que ser interpretados como um novo nascimento. O julgamento racional, a compreensão inteligente, a aceitação mental, ou a busca do bom, do belo e do autêntico, são simplesmente atividades anímicas enquanto não se alcança e se sacuda o espírito. Embora possam servir bem como criados, as idéias, sentimentos e decisões do homem não podem servir como donos e por isso são secundários neste assunto da salvação. Daí que a Bíblia nunca considera que o novo nascimento seja tratar com severidade o corpo, um sentimento impulsivo, a exigência da vontade ou uma reforma através da compreensão mental. O novo nascimento bíblico acontece em uma área muito mais profunda que o corpo ou a alma humana, sim, é no espírito do homem onde recebe a vida de Deus por meio do Espírito Santo.
O escritor de Provérbios nos diz que «o espírito do homem é a candeia do Senhor» (20:27). No renascimento, o Espírito Santo entra no espírito do homem e o aviva como se acendesse um abajur. Este é o «espírito novo» mencionado em Ezequiel 36:26. O velho espírito morto é avivado quando o Espírito Santo lhe transmite a vida incriada de Deus.
Antes da regeneração, a alma do homem controla a seu espírito, enquanto seu próprio «eu» governa a sua alma e sua paixão governa a seu corpo. A alma se converteu na vida do corpo. Na regeneração, o homem recebe a própria  vida de Deus em seu espírito e nasce de Deus. Em conseqüência disso, agora o Espírito Santo governa o espírito do homem, que, por sua vez, é equipado para recuperar o controle sobre sua alma e, por meio da alma, governar seu corpo. Como o Espírito Santo se converte na vida do espírito do homem, este se converte na vida de todo o ser do homem. O espírito, a alma e o corpo são restaurados segundo o propósito original de Deus para toda pessoa nascida de novo.
Então o que terá que fazer para nascer de novo em espírito? Sabemos que o Senhor Jesus morreu em lugar do pecador. Sofreu em seu corpo na cruz por todos os pecados do mundo. Deus considera a morte do Senhor Jesus como a morte de todas as pessoas do mundo. Sua humanidade santa sofreu a morte por toda a humanidade ímpia. Mas há algo que o homem mesmo tem que fazer.
Tem que usar sua fé para comprometer-se — seu espírito, alma e corpo — na união com o Senhor Jesus. Quer dizer, tem que considerar a morte do Senhor Jesus como sua própria morte e a ressurreição do Senhor Jesus como sua própria ressurreição. Este é o significado de João 3:16: «Todo aquele que nele (literalmente) crê, não pereça mas tenha vida eterna.» O pecador deve ter fé e acreditar no Senhor Jesus. Ao fazê-lo, se une a Ele em sua morte e ressurreição e recebe a vida eterna (Jo. 17:3) — que é a vida espiritual — para sua regeneração.
Tomemos cuidado de não separar a morte do Senhor Jesus como nosso substituto de nossa morte com Ele. Certamente que o farão os que põem ênfase na compreensão mental, mas na vida espiritual estes dois fatos são inseparáveis. A morte substitutiva e a morte com Ele se distinguem mas não se podem separar. Quem acredita na morte do Senhor Jesus como seu substituto foi unido a Ele em sua morte (Rm. 6:2). Para mim, acreditar na obra substitutiva do Senhor Jesus é acreditar que já fui castigado nEle. O castigo de meu pecado é a morte, mas o Senhor Jesus sofreu a morte por mim; por conseguinte morri nele. Não pode haver salvação de outro modo. Dizer que Ele morreu por mim quer dizer que eu já fui castigado e morri nele. Todo o que acredita nesse fato experimentará sua realidade.
Assim, devemos dizer que a fé pela qual um pecador crê na morte do Senhor Jesus como substituto é «acreditar por dentro» em Cristo e como conseqüência está unido com Ele. Embora uma pessoa possa estar preocupada só pelo castigo do pecado e não pelo poder do pecado, mesmo assim sua união com o Senhor é a posse comum que compartilha com todos os que crêem em Cristo. Quem não está unido ao Senhor, ainda não acreditou, e em conseqüência não tem parte com o Senhor.
Ao acreditar, o que crê é unido ao Senhor. Estar unido com Ele quer dizer experimentar tudo o que Ele experimentou. Em João 3 nosso Senhor nos explica como somos unidos a Ele. Somos unidos a Ele em sua crucificação e morte (vs. 14,15). No mínimo, a posição de todo crente é de que foi unido ao Senhor em sua morte, mas é evidente que «se temos sido unidos a ele na semelhança da sua morte, certamente também o seremos na semelhança da sua ressurreição» (Rm. 6:5). Por isso, para o que crê na morte do Senhor Jesus como substituto, sua posição é igualmente a de ter ressuscitado com Cristo. Apesar de que possivelmente não experimente ainda plenamente o significado da morte do Senhor Jesus, mesmo assim Deus o tem feito viver junto com Cristo e ele obteve uma nova vida no poder da ressurreição do Senhor Jesus. Este é o novo nascimento.
Devemos nos guardar de insistir em que um homem não nasceu de novo se não teve a experiência da morte e da ressurreição com o Senhor. A Bíblia declara já regenerado a todo o que crê no Senhor Jesus. «Todos os que o receberam, os que acreditaram em seu nome... nasceram de Deus» (Jo. 1:12, 13). Fique entendido que ser ressuscitado junto com o Senhor não é uma experiência prévia ao novo nascimento. Nossa regeneração é nossa união com o Senhor em sua ressurreição e também em sua morte. Sua morte terminou com nossa vida pecaminosa, e sua ressurreição nos deu uma vida nova e nos iniciou na vida de cristão. O apóstolo nos assegura que «nascemos de novo a uma esperança viva por meio da ressurreição do Jesus Cristo dos mortos» (1 Pe. 1:3). Indica que todo cristão nascido de novo já foi ressuscitado no Senhor. Entretanto, o apóstolo Paulo em Filipenses ainda insiste conosco a experimentarmos «o poder de sua ressurreição» (3:10). Muitos cristãos nasceram de novo e em conseqüência foram ressuscitados com o Senhor, embora fiquem longe da manifestação do poder da ressurreição.
Assim, não confundam a posição com a experiência. No momento em que uma pessoa acredita no Senhor Jesus, pode ser muito fraca e ignorante, mas, mesmo assim, Deus a colocou na perfeita posição de ser considerada morta, ressuscitada e levantada com o Senhor. Quem é aceito em Cristo é tão aceitável como Cristo. Esta é a posição. E sua posição é: tudo o que Cristo experimentou é seu. E a posição o faz experimentar o novo nascimento, porque não depende do grau de seu conhecimento experimental da morte, da ressurreição e da ascensão do Senhor Jesus, mas sim de se ter crido nele ou não. Inclusive, se um crente é em sua experiência totalmente ignorante do poder de ressurreição de Cristo (Fp. 3:10),  Ele o tem feito viver junto com Cristo, o ressuscitou com Ele e o assentou com Ele nos lugares celestiais (Ef. 2:5, 6).
Ainda há outro tema a respeito da regeneração a que devemos prestar muita atenção: que temos muito mais do que tínhamos em Adão antes da queda. Naquele dia Adão possuía um espírito, mas era criado por Deus. Não era a vida incriada simbolizada pela árvore da vida. Não havia absolutamente nenhuma relação vital entre Adão e Deus. Foi chamado «o filho de Deus» de forma  similar à maneira em que o são os anjos, porque foi criado diretamente por Deus. Quem crê no Senhor Jesus, entretanto, «nasce de Deus» (Jo. 1:12,13). Conseqüentemente, há uma relação vital. Um filho herda a vida de seu pai. Nós nascemos de Deus, e por conseguinte temos sua vida (2 Pe. 1:4). Se Adão houvesse recebido a vida que Deus oferecia na árvore da vida, imediatamente teria obtido a vida eterna incriada de Deus. Seu espírito veio de Deus e por isso é eterno. A maneira como este espírito eterno viverá depende de como a pessoa considere a ordem de Deus e da escolha que faça. A vida que nós cristãos obtemos na regeneração é a mesma que Adão poderia ter tido, mas que nunca teve: a vida de Deus. A regeneração não somente resgata das trevas a ordem do espírito e da alma do homem; também proporciona ao homem a vida sobrenatural de Deus.
O espírito caído e escurecido do homem é avivado pelo fortalecimento do Espírito Santo ao aceitar a vida de Deus. Isto é o novo nascimento. A base sobre a qual o Espírito Santo pode regenerar o homem é a cruz (Jo. 3:14, 15). A vida eterna anunciada em João 3:16 é a vida de Deus que o Espírito Santo planta no espírito do homem. Posto que esta vida é de Deus e não pode morrer, depreende-se que todo  nascido de novo que possui esta vida podemos dizer que possui a vida eterna. Como a vida de Deus desconhece por completo a morte, a vida eterna no homem não morre jamais.
Estabelece-se uma relação vital com Deus no novo nascimento. Se parece com o antigo nascimento da carne, que é uma vez e para sempre. Uma vez que o homem nasceu de Deus, Deus nunca poderá considerá-lo como não nascido dEle. Por infinita que seja a eternidade, esta relação e esta posição não podem ser anuladas. Isto é porque o que um crente recebe no novo nascimento não depende de uma busca progressiva, espiritual e santa, mas sim é puro dom de Deus. O que Deus outorga é a vida eterna. Não há nenhuma possibilidade de que esta vida e esta posição sejam anuladas.
Receber a vida de Deus no novo nascimento é o ponto de partida do andar com Cristo, um mínimo absoluto para o crente. Os que ainda não creram na morte do Senhor Jesus nem tenham recebido a vida sobrenatural (que não podem possuir de maneira natural) estão mortos aos olhos de Deus, por muito religiosos, morais, eruditos ou zelosos que possam ser. Os que não têm a vida de Deus estão mortos.
Para os que nasceram de novo há uma grande potencialidade para o crescimento espiritual. A regeneração é o primeiro passo evidente em um desenvolvimento espiritual. Embora a vida recebida seja perfeita, precisa alcançar maturidade. No momento do novo nascimento, a vida não pode estar já plenamente desenvolvida. É como uma fruta recém formada: a vida é perfeita, mas ainda é imatura. Por isso há uma ilimitada possibilidade de crescer. O Espírito Santo pode levar a pessoa a uma vitória total sobre o corpo e a alma.

Duas classes de cristãos

O apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 3:1, divide a todos os cristãos em duas classificações. São os espirituais e os carnais. Um cristão espiritual é aquele em que o Espírito Santo vive em seu espírito e controla todo seu ser.
Então, o que significa ser carnal? A Bíblia usa a palavra «carne» para descrever a vida e o valor de um homem não regenerado. Compreende tudo o que surge de sua alma e de seu corpo pecaminoso (Rm. 7:19). Por isso o cristão carnal é o que nasceu de novo e que tem a vida de Deus, mas em lugar de vencer a sua carne é vencido por ela.
Sabemos que o espírito de um homem caído está morto e que esse homem está dominado por sua alma e seu corpo. Em conseqüência, um cristão carnal é aquele cujo espírito foi avivado, mas que ainda segue à sua alma e ao seu corpo para pecar. Se um cristão permanecer em um estado carnal muito tempo depois de ter experimentado o novo nascimento, impede que a salvação de Deus leve a cabo sua completa manifestação e seu potencial. Só se crescer na graça, constantemente governado pelo espírito, pode a salvação manifestar-se totalmente nele. Deus providenciou uma salvação completa no calvário para a regeneração dos pecadores, e uma vitória total sobre a velha criatura por parte dos crentes.



* Aqui o espírito não é o Espírito Santo mas sim o espírito humano, porque vai precedido da palavra «natural», que literalmente é «anímico». Como «anímico» corresponde ao homem, então aqui «espírito» também corresponde ao homem.

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