domingo, 10 de março de 2013

Filme: Um Método Perigoso - Psicanálise Freudiana



Análise Crítica:
Mesmo os menos versados na psicanálise e na vida e carreira de seus principais teóricos se sentirão atraídos pela ambiciosa premissa de Um Método Perigoso: um ensaio abundante em discussões e críticas entre Sigmund Freud, Carl Jung, Sabine Spielrein e Otto Gross a respeito das bases da teoria sexual daquele, com generosas pinceladas sobre inconsciente, ego e a repressão dos desejos, além de contar com um intenso e antiético envolvimento amoroso. Assim, é decepcionante que o novo filme do diretor canadense David Cronenberg desabe vítima da incapacidade de elaborar fundações sólidas o suficiente para sustentar o debate entre aquelas personalidades históricas, ao passo que opta por retê-los num cauteloso invólucro, obviamente insuficiente para conter a transbordante natureza do conteúdo em destaque.

Escrito por Christopher Hampton a partir de sua peça teatral e do livro de John Kerr, o roteiro apresenta a histérica Sabine (Knightley), internada pelos pais no hospital psiquiátrico de Burgholzli na Suíça onde o psiquiatra Jung (Fassbender) clinicava. Tratando-a segundo os preceitos da psicanálise - a qual ele se refere por "a cura pela fala" -, Jung logra êxito na recuperação de Sabine que viria posteriormente a se tornar sua assistente, amante e uma das primeiras psicanalistas do mundo. Ademais, o método adotado o remeteria ao renomado Freud (Mortensen), e depois de 13 horas de conversa ininterrupta, ambos se encantam mutuamente estabelecendo uma cordial relação profissional.




Essa amizade, contudo, viria a se deteriorar, mormente fruto às desavenças provenientes dos intrigantes embates intelectuais entre os dois. Se Jung criticava o rígido pragmatismo de Freud que considerava as manifestações humanas intrínseca e exclusivamente relacionadas à sexualidade e aos ferozes impulsos que a propelem, Freud discordava e debochava da dimensão espiritual com a qual Jung explicava alguns fenômenos psíquicos. Isso os levaria a um discussão não tão implícita envolta de cientificidade e religiosidade (como se estes termos pudesse coexistir pacificamente e sem atribulações), onde Freud almejava resguardar a jovem ciência da psicanálise do descrédito de seus agressores protegendo-a no sólido casulo da teoria sexual, enquanto um insatisfeito Jung ousava flertar com o misticismo da lenda de Siegfried, superando as reprimendas do pai da psicanálise. Num último momento, na eminência das grandes guerras, Freud, judeu, e Jung, esteriótipo do ariano alemão, viriam a se ver em faces opostas da história, como perseguido e perseguido.

Se falei em repressão, é porque este é um dos temas principais da narrativa, encontrando o respaldo no anárquico conceito de liberdade de Otto Gross (Cassel). Reputa-se à essencial ambivalência do ser humano, à simultaneidade de dois sentimentos opostos na psiquê. De um lado, a tendência a se amoldar aos preceitos morais e sociais de uma sociedade conservadora; do outro, a pertinaz ânsia de quebrar as regras, como o faz Sabine no seu insano amor masoquista. Esses debates provocados nas discussões entre as figuras centrais representam o que há de melhor na narrativa, e é impossível não destacar que David Cronenberg desenvolveu sua carreira no terror psicológico oriundo de personagens mentalmente instáveis, o que faz com que Um Método Perigoso representa apenas um passo lógico para o cineasta.


Logo, é decepcionante constatar o desleixo de Cronenberg com o material na adoção de uma cronologia frouxa e deficiente incapaz de justificar as mudanças agudas de comportamento, sobretudo as de Jung. Falta de zelo que fica evidente nos 15 minutos iniciais quando Cronenberg não encontra meios de disfarçar elegantemente a esquemática ida de Jung à guerra e seu retorno súbito. Nesse sentido, não se espante quando, depois de se revelar a mais atormentada das pacientes, Sabine surja, minutos após, na posição de assistente do renomeado médico discutindo serena e comedidamente seu sonho de adentrar na faculdade de medicina. Aliás, é obrigatório o diálogo expositivo a respeito de um sonho não contado para identificarmos o exato momento da ruptura definitiva de Jung e Freud, algo que a narrativa sequer faz questão de apontar detidamente.
Mais inteligentes são os enquadramentos que, em momentos-chave, encontram os personagens convenientemente sentados detrás do outro reproduzindo a técnica da psicanálise vista logo na primeira sessão de Sabine. É o que acontece na revelação dos sonhos em um barco que ultrapassa os limites de uma conversa profissional e penetra na disputa de interpretações - e egos - entre Freud e Jung. Feliz no rico design de produção e contando com a boa fotografia de Peter Suschitzky, a qual confere uma perturbadora e calma melancolia nas tomadas externas, a equipe técnica equivoca-se pontualmente nos péssimos efeitos especiais usados para recriar a orla de Nova York durante a chegada dos dois psicanalistas a um congresso (que, assim como outros incidentes narrativos, é atropelado).

Mas, se a narrativa é desapontante e não faz jus aos nomes dos personagens, o mesmo não se pode afirmar dos intérpretes. A começar pelo talentoso Michael Fassbender cujo Jung exibe um arco dramático que o leva da submissa mansidão às teorias de Freud à posição de voraz questionador, e a tendência a adverbiar (imensamente e especialmente são algumas das palavras recorrentes no seu vocabulário) demonstra a fraqueza dos argumentos que ele expunha no início. Por sua vez, Viggo Mortensen, na sua terceira parceria com Cronenberg, transforma Freud em um homem de gestos calculados, cujas discretas inflexões faciais e a voz ponderada denotam a frieza e controle emocional empregados no seu ofício. Referindo-se a si próprio na terceira pessoa, sinal de vaidade implicitamente corroborada ao se referir a Jung como "filho herdeiro", Freud revela-se digno da condição quase divina assumida por alguns acadêmicos e é o personagem mais interessante em cena.

E eis que chegamos a questionável composição de Keira Knightley: totalmente entregue ao papel, expondo a histeria de Sabine em contorções bruscas, na curvatura do corpo e projeção da mandíbula, Keira encontra no comportamento  animalesco a manifestação de uma sexualidade reprimida. Porém, a narrativa enquanto confere peso demasiado a Sabine, atribuindo o papel de estopim da ruptura de Jung e Freud, falha em fluidamente acompanhar a sua evolução tornando inverossímil acreditar que aquela explosão de instinto tenha se transformado em uma renomada psiquiatra.
Diante desse irreparável defeito, Um Método Perigoso é apenas um filme para acadêmicos da psicologia, a triste constatação de que os ícones da psicanalise se mantêm distantes daqueles que mais anseiam por eles: o grande público.
 
Fonte: http://www.cinemacomcritica.com.br/2012/03/um-metodo-perigoso.html

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